A inserção da mulher no universo cultural do esporte






por Silvana Goellner

A história das mulheres no universo cultural do esporte brasileiro é marcada por rupturas, persistências, transgressões, avanços e recuos. Desde meados do século XIX, elas se fazem presentes nas arenas esportivas como espectadoras e praticantes. No entanto, é a partir das primeiras décadas do século XX que essa participação se ampliou e consolidou.



Com a independência do Brasil, a chegada de imigrantes europeus e a propagação dos ideais higienistas, esse contexto gradativamente começou a se alterar, em especial para as mulheres da elite, visto que tinham maior acesso aos bens culturais, à escolarização e às novidades advindas do continente europeu, dentre as quais, a prática da ginástica e de algumas modalidades esportivas tais como o turfe, o remo, a natação, a esgrima, o tênis, o arco e flecha e o ciclismo.



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Ciclista, Porto Alegre, 1896. Fonte: Centro de Memória do Esporte – UFRGS

Por certo que a presença de mulheres exercitando-se fisicamente se traduzia como uma novidade nesse tempo, pois sob a égide do romantismo na literatura, as imagens associadas às mulheres brasileiras eram imagens românticas. Mulheres lânguidas e gráceis, portadoras de gestualidades comedidas e delicadas, cuja educação estava voltada, prioritariamente, para o casamento e a maternidade. Essa imagem, mesmo que fosse bastante divulgada na literatura e em outros espaços sociais, não perdurou por muito tempo. Os médicos, em especial, os higienistas, iniciaram a proclamar os benefícios que o exercício físico trazia para as mulheres proporcionando-lhes melhores condições orgânicas não só para enfrentar a maternidade mas, inclusive, para embelezá-las. A prática esportiva passou a ser identificada, também, como um espaço de exercício de sociabilidade, cuja adesão colocava em evidência atitudes e hábitos pertinentes a um modo moderno e civilizado de ser.
É necessário lembrar, ainda, que nos primeiros anos do século XX a população brasileira era composta, majoritariamente, por negros escravos ou descendentes. Essa composição étnica se tornou alvo de diferentes intervenções em nível nacional cujos objetivos estavam direcionados para o refinamento da raça visto que os negros eram considerados como seres inferiores. Baseados na teorização darwinista de que a atividade física atuava no robustecimento orgânico e, portanto, no aprimoramento da espécie, buscava-se uma educação corporal e esportiva que, pautada por um estatuto científico e ao mesmo tempo moral, estivesse articulada à medicina e às normas jurídicas fortalecendo a raça branca – ideal imaginário de um povo ameaçado pela mestiçagem.

Partida de Tênis – Clube Atlético Paulistano, 1918. Fonte: Museu da Imagem e do Som.

Médicos, intelectuais, militares, dirigentes políticos, professores, instrutores de atividades físicas se integraram a esse projeto e, através da especificidade de sua intervenção no plano social e educacional, não pouparam esforços para consolidá-lo. Das várias ações desenvolvidas em prol deste fortalecimento, destaca-se uma delas: o fortalecimento do corpo feminino, pois acreditava-se que a regeneração físico-moral de uma população só se completaria se o aprimoramento físico também se estendesse à mulher, identificada então como “a célula-mater da nação”.
Esse argumento figura no primeiro livro escrito por um autor brasileiro sobre educação física e esporte para mulheres, publicado no ano de 1930, no qual se lê:

Nunca será demasiado encarar a importância do esporte para a mulher. Quanto mais nos aprofundarmos nos estudos tendentes a efetivar a eugenia da raça, nas pesquisas destinadas a solucionar os problemas relativos à saúde humana, a dar ao homem e à mulher o máximo de sua eficiência física para a vida, mais nos compenetramos da importância capital da Educação Física feminina. É mister que nos convençamos da verdade irrefutável desse dogma – a mulher precisa de esporte! Precisamos identificar a mulher com a prática racional dos exercícios físicos, educá-la para uma compreensão elevada dessa forma salutar de atividade que, tanto contribui para a conservação de sua saúde e de sua beleza, para a manutenção de sua mocidade e de sua eficiência (RANGEL SOBRINHO, 1930, p. 21).

Nesse contexto a imagem da mulher maternal, bela e feminina revela um desejo produzido e expresso pelo imaginário social de um país que identificava na mulher um elemento importante para a sua modernização. Juventude, beleza, ousadia, disposição, saúde, perseverança, dedicação, prudência, representavam virtudes possíveis de serem conquistadas diante a participação das mulheres em diferentes espaços sociais, dentre eles, aqueles nos quais se realizavam as atividades físicas e esportivas.

Essa “nova mulher” ao mesmo tempo que mostrava-se como uma figura inovadora era, também, observada como alguém que desestabilizava a representação da mulher romântica voltada para a família, o recato e a honra. A prática esportiva, o cuidado com a aparência, a mudança de atitude, o desnudamento do corpo, o uso de artifícios estéticos, conferiam a essa imagem novos contornos externando, como possíveis, outras experiências que não apenas aquelas valorizadas como integrantes de sua “natureza”.




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Uma delas: não sei como ela tem coragem de usar um malliot tão indecente. Fonte: Revista de Ed. Physica, n. 45, agosto de 1940



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Enfim, para além das questões nacionalistas de fortalecimento do corpo feminino, a inserção da mulher no esporte não resulta apenas desse investimento. Deve ser observada não como uma concessão mas como uma conquista de diferentes mulheres para as quais o esporte representava, também, um espaço de visibilidade não apenas como espectadora ou co-participe de uma aparição, mas, fundamentalmente, como sua principal protagonista. Ainda que o discurso da maternidade sadia e do aprimoramento da raça fosse marcadamente produzido e reproduzido não foi apenas em seu favor que o as mulheres aderiram à sua prática: ele sinalizava novos tempos diante dos quais o arcaico confinamento das mulheres no interior do espaço privado simbolizava falta de cultura e de civilização. O esporte modernizou a mulher!



Para refletir:



Se nos primórdios da história do esporte no Brasil a participação das mulheres restringia-se quase que predominantemente a assistência e ao acompanhamento de seus maridos e familiares, na atualidade, ela é infinitamente mais ampla e diversificada: as mulheres deixaram de ocupar apenas o espaço de espectadoras para tornarem-se, também, praticantes, atletas, técnicas, gestoras, árbitras, comentadoras,…
.http://historiadoesporte.wordpress.com/2012/01/28/a-insercao-da-mulher-no-universo-cultural-do-esporte/
acesso em 31 de janeiro





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