a construção da mulher

A opinião de vários / todos tem espaço nesse blog: belo texto


Stephen Marche não gostou de ver Megan Fox como a mulher mais sexy do mundo na classificação da For Him Magazine (FHM). Ele criou várias objeções que, penso, acredita serem de ordem da boa sociologia feminista, para então lembrar as questões de objetificação, que seriam o pecado de sempre de revistas como FHM. Velhas objeções – ele mesmo confessa. Todavia, ele acredita que elas são ainda válidas.
Mas, o interessante de seu texto não é isso, e sim algo que eu poderia ver como mais novo na crítica a publicações como a FHM.
Ele começa com a crítica batida. Lança mão da idéia de que essas revistas padronizam a mulher, que não possuem imaginação, reproduzem sempre o mesmo modelo, criam manequins de loja ou bonecas de plástico e não mulheres reais. Até aí, nada de novo. Do meio para o final do artigo, ele melhora: diz que revistas como FHM não são para homens, e sim para garotos – de no máximo quinze anos. Sua tese é a de que o gosto masculino adulto ou, melhor dizendo, de homens experientes, não segue o que é dado pela FHM. Os homens não teriam o gosto tão unificado quanto o desejo da revista. Os homens, diz ele, tem gostos voláteis pelas mulheres, mudando da noite para o dia e, enfim, alterando sucessivamente tal impulso, indo para figuras de mulheres que poderiam ser de vários tipos. Marche não diz isso claramente, mas o que pensa poderia ser expresso assim: o homem, o macho, procura a mulher viva.

Estar vivo significa estar sujeito às vicissitudes do tempo e do espaço. Portanto, gordura e rugas nas mulheres não seriam problemas para os homens experientes, maduros, ou simplesmente adultos. Se eu pudesse colocar em termos marxistas, eu traduziria a crítica de Marche assim: a reificação e o fetichismo só nos atingem até os quinze anos. Depois, nos libertamos disse, sabe-se lá por qual razão. Bem, no caso de Marche, ele até diz a razão: ficamos adultos e descobrimos que mulheres ideais não existem.

Essa parte de Marche é a melhor de seu texto. Eu poderia concordar com Marche. Mas não vou. Há algo que me incomoda nessa sua crítica a tipos criados como a FHM faz, ou o que outras revistas também fazem, de tempos em tempos. Sei bem que Lara Croft já foi ídolo sexy para garotos. Sei bem que o tipo de filme que colocou Megan Fox como sexy é um filme para garotos (Transformers). Também concordo com Marche quanto ao fato dela dirigir um Camaro 76 no filme e, então, estabelecer todas as poses necessárias para o gosto da mentalidade jovem, o que lhe teria trazido ao julgamento positivo de FHM. Todavia, não creio que Megan Fox não seja uma construção admirável para adultos. E não vejo falta de imaginação ou plasticização e robotização de Fox como Marche vê.

As fotos mostram, de fato, que Fox foi reconstruída: em parte por cirurgias plásticas, em parte pelo próprio filme e disposições fotográficas. Mas a reconstrução não é só para garotos de quinze anos e nem é pouco inteligente. Na verdade, a reconstrução – conscientemente ou não – trabalhou muito bem com o imaginário histórico masculino. Megan Fox lembra várias outras personagens de êxito no mundo do cinema, não como atriz, mas segundo ângulos que pode produzir em suas fotos. Que o leitor me acompanhe.

A boca de Megan Fox tenta ser tão carnuda quanto a de Angelina Jolie, mas o formato busca outras paragens. No limite, é Brigite Bardot que se esconde ali. Os olhos tendem a não nos fazer esquecer da ainda bela Catharine Zeta-Jones. E o nariz não perde para o modelo de Rachel Welch. Aliás, em vários momentos ela também lembra bem o olhar um tanto perdido e o imperdível jeito de menina de Jennifer Conelly.

Assim, o segredo das construções corporais atuais, seja pela via da cirurgia plástica seja pela via do photoshop (e em ambos os casos, contando com bons diretores e bons fotógrafos para a produção das melhores poses e ângulos) está em saber olhar para o passado. Mas não para qualquer passado, e sim para aquele que formou o imaginário que viemos a chamar de “a beleza feminina”. E o que, agora, é o "sexy".

Talvez o que tenha confundido Marche e, de certo modo, esteja criando problema para outros, é a transição da palavra “bela” para a palavra “sexy”. No passado falávamos na mulher “mais bela”, hoje falamos na mulher "mais sexy”. Claro que isso, essa transição, não poderia deixar de ocorrer. “Bela” tornou-se uma palavra de difícil aceitação na medida em que a própria arte, que deveria expor o belo, passou a tomar a obra de arte como aquilo que poder ser obra de arte sem dar a mínima atenção para a beleza, como observa o filósofo Arthur Danto. Além do mais, “bela” nunca foi uma palavra que conseguiu se libertar, ao todo, da idéia de “mensuração”. O belo dos concursos de beleza feminina era algo que passava pelo crivo da fita métrica. O belo engessava a beleza feminina. Então, ao contrário do que pensa Marche, viemos a navegar no campo do sexy em busca da fuga de padrões. Com a palavra “sexy” pudemos nos adequar ao vivo e, ao mesmo tempo, ao artístico em sua nova acepção. Pudemos, também, nos deixarmos escapar do campo do apolíneo e adentrar pelo campo do dionisíaco. A falta de harmonia nos deu outro tipo de harmonia. Pequenos exageros aqui e ali fizeram da mulher capaz de satisfazer, mesmo em situações de apresentação pública, a necessidade de lembrar deleites da situação privada.

A construção de Megan Fox pode ser passageira. Talvez ela não esteja mais presente em 2009 ou mesmo ao final de 2008. Não parece ser nenhuma Julia Roberts. Muito menos revelar a precocidade de Dakota Fanning. Isso não está em questão. O que se coloca aqui é aquilo que Marche não percebeu: que nossa época é uma época que corpos não se fazem naturalmente, mas são construídos. E que não morrem, pois podem ser recuperados em novas construções. E que isso é uma boa imaginação de nossa época - para adultos, como não?

Talvez Marche imagine que "a mulher mais sexy do ano" tenha de despertar desejo. Mas isso não é verdade. A mulher sexy é apenas a substituta da mulher bonita dos concursos de Miss Universo e correlatos. Essas mulheres não são mostradas para estimular o desejo, elas são peças exclusivamente da estética do momento. A estética de nossos dias é devedora da desterritorialização, como já escrevi em outro lugar (Filosofia da Percepção Social). Isso quer dizer que a montagem de personagens vivos a partir de partes de mulheres reais do passado, em função da criação de uma mulher real do presente, é algo que desponta como um fenômeno de revistas como a HFM não como elemento para a excitação, mas como uma espécie de galeria de arte. No caso, a arte é a construção que o artista faz com seu próprio corpo. De mulher do teatro ou cinema ou TV, ela se torna escultura, pintora e fotógrafa de si mesma (com ajuda de outros, é claro). Ela literalmente se produz. É uma produção que vai muito além da maquiagem. É uma produção que visa construir a si mesma durante um tempo; e esse tempo pode durar enquanto dura o seu personagem em determinado filme, ou o seu personagem principal - ela própria.

Se começarmos a perceber isso, daremos bons passos para entender isso que alguns acham um tédio, que são as imagens da mulher sexy do ano. Da minha parte, isso não tem nada de entendiante.

Postado por Paulo Ghiraldelli Jr.

Marcadores: arte, beleza, belo, corpo, Danto, jennifer connely, megan fox, mulheres, sexo, sexy

http://ghiraldelli.blogspot.com/2008/05/construo-do-corpo-da-mulher.html

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