Suzy Menkes, editora da Vogue: “Ninguém tem de levar uma vida miserável só porque faz roupa para os outros

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MODA, SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE SOCIAL, SEM TRABALHO ESCRAVO, SEM ANOREXIA, SEM CORPOS MAL TRATADOS SÃO OS MANDATÁRIOS DO SÉCULO XXI. TEMOS QUE DAR UM BASTA AOS PADRÕES ESTÉTICOS, SOCIAIS E ECONÔMICOS QUE VIOLENTAM A VIDA DAS PESSOAS. A MODA SERVE PARA DAR VIDA AOS CORPOS E NÃO PARA MATÁ-LOS.... 
Sustentabilidade, tecnologia, luxo e responsabilidade social – na moda, são estes os temas do momento. Suzy Menkes, a mais reputada jornalista da área, falou sobre todos eles com o Observador.
Suzy Menkes, a voz mais proeminente da atualidade no jornalismo de moda, voltou a Lisboa. Depois de ter estado na ModaLisboa, a editora internacional da Vogue subiu ao palco Modum da Web Summit na passada quinta-feira, num dia em que se debateram questões como a relação entre moda e a tecnologia, as transformações no segmento de luxo, a sustentabilidade do sector e o futuro dos designers. Numa entrevista ao Observador, Menkes falou de cada um dos tópicos. No que toca à responsabilidade ambiental e social da indústria, passou a bola para os consumidores. A jornalista britânica não tem dúvidas ao afirmar que as marcas produzem e comportam-se de acordo com a procura e que por isso cabe ao público ganhar consciência de que é urgente começar a consumir moda de uma forma diferente e exigir isso. Afinal, estamos a falar da segunda indústria mais poluente do mundo, depois do petróleo.

Mas Suzy Menkes também partilhou algumas impressões sobre os designers e a indústria da moda em Portugal. Desde setembro que a editora teve oportunidade de ver de perto o trabalho de criadores nacionais. Primeiro em Londres, onde visitou um showroom de marcas de designers na embaixada portuguesa. Logo a seguir em Milão, onde surpreendeu tudo e todos ao comparecer no desfile de Pedro Pedro. Semanas depois, visitou a capital por ocasião da ModaLisboa. Não só assistiu a alguns desfiles como visitou os ateliers de Alexandra Moura e Dino Alves.
Menkes não é só a voz mais relevante do jornalismo de moda da atualidade. É também uma presença assídua nos maiores eventos da área, dos bastidores dos desfiles de grandes marcas, onde vê de perto e em primeira mão as coleções e fala pessoalmente com os criadores, às festas mais estrondosas. Aos 73 anos e com 51 de profissão, Suzy é também conhecida pela hiperatividade no Instagram. É dada a selfies e os seus textos e reviews são publicados nas vários edições da Vogue à volta do mundo. Ah, e depois há a popa que há décadas se tornou a sua imagem de marca.
Não é por acaso que os olhos de Suzy Menkes estão sobre a capital portuguesa. Em abril, a conferência anual de luxo da Condé Nast, grupo que detém a Vogue, acontece em Lisboa. A Condé Nast International
Luxury Conference é um conceito criado pela própria editora, em 2000, quando ainda era editora de moda do International Herald Tribune. Desde então que o evento tem sido itinerante, com Menkes no papel de anfitriã e curadora.
A sustentabilidade na moda é uma questão cada vez mais discutida. Estamos preparados para aprender a consumir moda de uma forma diferente, mais consciente?
Acho que é difícil para o público em geral saber o que está realmente a comprar e como é que as coisas são produzidas. É esse o nosso trabalho enquanto jornalistas: explicar de onde é que as coisas vêm. Isso já foi feito na comida. “De onde é que vem o frango?” ou “O que é que acontece ao frango dentro daquele aviário terrível onde nunca vê a luz do dia?” — é preciso que as pessoas comecem a fazer este tipo de perguntas em relação à roupa. Há muita coisa a acontecer e muitas empresas, sobretudo online, fazem realmente esse esforço e, de alguma maneira, nós temos de despertar essa curiosidade no público.
Mas esse trabalho de consciencialização também cabe às próprias marcas, certo?
Há grandes marcas que já estão a fazer um grande esforço para incorporar várias destas ideias, mas é preciso encorajar as pessoas num nível mais baixo e fazê-las perceber que a questão aqui não é o não conseguirem comprar roupa se ela não for feita numa sweatshop [termo usado para fábricas com más condições para os trabalhadores]. A questão é outra: ninguém tem de levar uma vida miserável só porque faz roupa para os outros. Esta é a mensagem mais difícil de passar, tal como a procura é difícil de travar, porque, acima de tudo, as pessoas querem é roupa barata. Li recentemente um texto que dizia que a roupa está muito mais barata hoje, face aos orçamentos do famílias, do que há 10 ou 15 anos. E só há uma razão para isso: as marcas arranjaram uma forma mais barata de produzi-la.
"(...) é preciso encorajar as pessoas num nível mais baixo e fazê-las perceber que a questão aqui não é o não conseguirem comprar roupa se ela não for feita numa sweatshop. A questão é outra: ninguém tem de levar uma vida miserável só porque faz roupa para os outros."
E esse objetivo, de ter uma moda ambiental e socialmente mais responsável, não será mais fácil de atingir para as marcas de luxo?
Acho que é mais complexo do que isso. Na verdade, não é fácil para ninguém começar a fazer isto bem. Infelizmente, não podemos voltar aos dias em que a nossa avó tricotava uma camisola junto à lareira. A vida já não é assim. Certamente existe um grupo de pessoas que exerce pressão para que haja melhores condições para os trabalhadores, processos menos poluentes e mais informação sobre onde as roupas são feitas. Sinto-me muito otimista porque acredito que há uma nova geração que já interioriza estes valores ao ponto de os reclamarem junto das marcas. No final, quem vende roupa só vende aquilo que as pessoas querem comprar. Se as pessoas querem o que é barato, mais do que qualquer outra coisa, então as coisas não vão mudar.

Em 2015, várias modelos protestaram contra o impacto ambiental da indústria têxtil, durante um desfile de moda, na Indonésia © ROMEO GACAD/AFP/Getty Images
Mas não haverá marcas a pegarem nesses valores mais como estratégias de comunicação do que propriamente para tomar medidas concretas?
É aí que a internet se revela uma invenção brilhante. É muito mais difícil para as empresas hoje comunicarem coisas que estejam de facto a acontecer. As pessoas conseguem saber como é que as coisas realmente funcionam e facilmente desmascarar os discursos enganadores. Mas sim, até certo ponto é possível. Acontece com a comida sempre que alguém afirma que um produto é saudável e na realidade não é bem assim. Mas penso que na moda as marcas não estão realmente a tentar esconder o que quer que seja. Se começarmos a exigir que as marcas tenham peças feitas de fibras naturais e se, de outra forma, não comprarmos, quem vende moda vai ceder. Mas temo estarmos ainda muito longe de ver isso a acontecer.

18 e 19 de abril

Durante estes dois dias, Lisboa recebe a Condé Nast International
Luxury Conference. Sob o tema “The Language of Luxury”, vão passar pelo Pátio da Galé nomes como Giambattista Valli, Maria Grazia Chiuri, diretora criativa da Dior, Felipe Oliveira Baptista, Marta Marques e Paulo Almeida, Simone Rocha e Christian Louboutin. Até dia 25 de novembro, os bilhetes custam 3600€. A partir daí, sobem para 4000€.
Falou de fibras naturais. Muitas das mudanças que podem tornar esta indústria mais consciente passam pela tecnologia. É aí que está o futuro?
A tecnologia e a moda combinam muito bem. Eu pessoalmente preferiria ver 100 000 peças baratas serem produzidas por uma máquina do que por uma pessoa. Talvez a pessoa não concordasse comigo porque precisa do emprego. Por outro lado, existe este novo ramo da investigação e da invenção de novos materiais e ele está a crescer. Falo de materiais que, por exemplo, evitam que se matem animais e isso é algo tremendo. E pode ser algo tremendo para Portugal porque vocês são muito bons em materiais de origem animal. O sucesso dos sapatos portugueses é um bom exemplo disso. Mas o mundo muda e se as pessoas puderem ter algo que seja pele ou como a pele, mas que não implique que um animal seja morto, acho que aí teríamos um mundo melhor.
Vamos ter de esperar muito até ver esses avanços na prática?
É como quando ouvimos falar pela primeira vez de carros sem condutor. Pessoas como eu riram-se e disseram que isso nunca iria acontecer. Mas está a começar a acontecer agora e acredito que daqui a 10 anos eles vão existir numa quantidade considerável. Acredito que ainda estamos numa fase muito primária no que toca a invenções. Está a acontecer com a seda, por exemplo. Há alguém a criar um novo tecido que é realmente seda mas que não provém dos bichinhos. É este tipo de coisas que quem trabalha em laboratórios está a fazer. Não são coisas inventadas por quem trabalha em moda.
"No final, quem vende roupa só vende aquilo que as pessoas querem comprar. Se as pessoas querem o que é barato, mais do que qualquer outra coisa, então as coisas não vão mudar."
Nos últimos meses tem tido oportunidade de conhecer o trabalho de vários designers portugueses. Quais as primeiras impressões?
Esta conferência não vai ser sobre a moda portuguesa nem sobre o rumo que ela está a tomar. É claro que tenho muito interesse em ver o que está a ser feito cá e por isso ainda quero voltar. Fiquei bastante impressionada com o que vi. Achei que a qualidade dos tecidos, especialmente das malhas, é excecional, de um nível que não se encontra, sobretudo na Europa. Parece-me que mantiveram várias técnicas que a maioria das pessoas já deixou de fazer. E há um grande sentido de cor. A minha teoria é de que isso vem dos azulejos, porque eles são tão bonitos. Para mim são simplesmente mágicos. Acho que nenhum designer em Portugal quer realmente falar deles porque os vêem todos os dias, mas há algo daquelas cores e formas que faz parte do espírito de algumas peças.
Há alguma hipótese da moda portuguesa se tornar mais relevante internacionalmente nos próximos anos?
Sinceramente, não sei. Olho para esta conferência [Web Summit], que há uns anos era um pequeno evento na Irlanda e que agora é algo gigante aqui em Portugal. Bem, de facto os sapatos portugueses são um bom exemplo de algo português que as pessoas já procuram e compram no mundo inteiro. O sucesso tem a ver com a qualidade, do design e do produto em si, mas também tem a ver com a personalidade do designer. As duas coisas têm de estar combinadas. Karl Lagerfeld mostra isso mesmo. Por outro lado, é curioso ver que há montes de designers americanos de quem nunca ninguém fora da América ouviu falar. Eu espero que os designers portugueses cheguem longe porque aí teria mais razões para vir cá, por isso seria bom para mim.

Fábrica têxtil em Colombo, no Sri Lanka. As empresas voltaram a poder exportar para UE sem impostos, mesmo não tendo cumprido todas as obrigações de direitos humanos © LAKRUWAN WANNIARACHCHI/AFP/Getty
A moda de luxo foi outro dos tópicos do dia. O conceito de luxo está a mudar. Estará a aproximar-se daquilo a que chamamos slow design?
Sim, a slow fashion é um tópico importantíssimo. Tem a ver com o que as pessoas sentem em relação ao resto do mundo, tudo é muito rápido, está tudo a tornar-se descartável. E nisso Portugal está bastante alinhado com o que acontece mundialmente.
Se olharmos para as tendências hoje, elas surgem sem que percebamos bem de onde, se dos desfiles, se do que as pessoas estão a usar na rua. É a moda a ficar mais democrática ou os designers a perderem protagonismo?
Bem, basta olhar para a dose de inspiração Gucci, está por todo o lado e estou a falar das marcas de fast fashion. É um momento difícil para os jovens designers. Eles podem ver as suas criações copiadas muito depressa e isso é muito injusto. Se alguém na área da alta tecnologia descobre alguma coisa, é muito difícil copiá-la. Na moda, se alguém inventa uma forma ou um padrão, é tão fácil fazer igual.
O que podemos esperar a conferência da Condé Nast em Lisboa?
Eu estou a trazer um tópico que acho que ninguém discutiu antes: a língua do luxo. Comecei por pensar nos países que estão em aliança com outros e no que isso significa. No caso de Portugal, isso é muito interessante. Toda a gente conhece o Brasil mas muitos que ainda não perceberam que a língua do Brasil veio daqui. Achei isso fascinante, tal como achei a ligação do vosso país com África. É muito interessante olhar para as ruas de Lisboa e ver a quantidade de angolanos que andam a fazer compras e que o fazem aqui por causa da língua. Era algo que os franceses também tinham, mas que está a desaparecer. Lisboa é o sítio perfeito para falar disso. É onde está a acontecer tudo. Há um grande sentimento de otimismo nesta cidade.
https://observador.pt/especiais/suzy-menkes-editora-da-vogue-ninguem-tem-de-levar-uma-vida-miseravel-so-porque-faz-roupa-para-os-outros/

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