Por que achamos que ser magro é bonito?
Ser magra é a prioridade nº1 de muitas das mulheres. Essa obsessão não surgiu do dia para a noite: ela é fruto de um ambiente mais cruel do que você imagina
access_time 8 jul 2015, 20h30 - Atualizado em 7 abr 2017, 12h28
A preocupação com o ponteiro da balança está longe de ser apenas uma preocupação com a saúde. Essa neura com o peso não vem dos tempos mais remotos. Basta espiar as obras de arte dos séculos passados e ver que a figura feminina idealizada ali concentrava mais gordura do que as top models de hoje. O quadril largo, as coxas generosas, o rosto mais cheinho eram traços pra lá de valorizados nas musas – o que você pode conferir na obra que abre essa nota, As Três Graças, de Peter Paul Rubens, feita em 1635.
Ainda que o padrão em si tenha mudado pra valer, a lógica por trás dele permanece. “Os padrões que aparecem ao longo da História são, como regra, acessíveis a poucos”, aponta a psicóloga Joana de Vilhena Novaes, Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza e representante da Fundação Dove para a Autoestima no Brasil.
Quando fazer as três refeições básicas diariamente era um luxo e morrer de fome era um destino comum para as pessoas, a gordura alcançava status de privilégio. Agora, já que temos mais comida à disposição, mais jeitos de conservá-la e nossos armários ficam carregados de biscoitos, salgadinhos e similares, comer é fácil. Portanto, não é de estranhar que as modelos extremamente magras sejam colocadas em um pedestal. É mais difícil ser muito magra com tantas calorias à disposição.
O corpo magro e jovem também exige cada vez mais procedimentos estéticos e cirurgias para atingir a dita “perfeição” – ou, pra ser mais direto, exige grana, que vira mais um obstáculo. Imagina só o dinheiro necessário para bancar o 1,5 milhão de cirurgias plásticas realizadas anualmente só no Brasil, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética.
Mas não é essa a única explicação que surgiu para a mudança nos padrões. Uma delas veio do livro O Mito da Beleza, da jornalista americana Naomi Wolf, publicado na década de 90. A sacada dessa publicação foi relacionar o novo modelo com a emancipação das mulheres, quando tantas delas assumiram postos de trabalho e quando seus direitos passaram a ser assegurados. Em poucas palavras, Naomi defende que há mecanismos que dominam a mulher na sociedade – e, depois de se libertar de um deles, surgiu outro, o tal mito da beleza.
E daí viriam os sacrifícios todos, as dietas malucas, as técnicas cirúrgicas incrementadas a cada mês – justamente porque a sociedade passou a pregar que os malabarismos eram necessários para que as mulheres fossem aceitas. E os dados trazidos pela autora assustam, já que demonstram como, pouco a pouco, o problema avançou e tomou forma. As modelos passaram a ser 23% mais magras do que uma mulher padrão (e não mais 8%, como costumava ser, com as moças mais cheinhas).
De 1966 e 1969, a porcentagem de alunas que se consideravam gordas saltou de 50 para 80%. Com a onda de dieta ganhando força, Naomi Wolf comparou as calorias que “deveriam” ser ingeridas para alcançar o corpo perfeito – 800, 1.000 calorias diariamente. Para ter uma ideia, no gueto de Lodz, em 1941, em pleno nazismo, os judeus se alimentavam de rações que tinham de 500 a 1.200 calorias por dia. Não é à toa que chegamos a extremos de magreza por aí.
Hoje, só no Brasil, um terço das meninas que estão no 9º ano do Ensino Fundamental já se preocupam com o peso, de acordo com uma pesquisa de 2013 do IBGE. A nível global, a probabilidade de que uma moça com idade entre 15 e 24 anos morra em decorrência de anorexia é 12 vezes maior que por qualquer outra causa. O Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry constatou que cerca de 60% das alunas no ensino médio já fazem dieta. A preocupação com a balança chega a atingir meninas com 5 anos de idade.
E não é à toa que as vítimas mais comuns sejam as mulheres. A nutricionista Paola Altheia, responsável pelo blog Não Sou Exposição, vai além para explicar a tendência. “Enquanto a moeda de valor masculina na sociedade é dinheiro, poder e influência, a das mulheres é a aparência”, crava. Para a ala feminina, essa pressão toda desemboca em não apenas um modelo estético, mas um modelo de vida. Para ser linda e desejada, para ter um marido perfeito, o emprego dos sonhos, você só tem que ser… magra. Simples né?
Mas nem tanto: um dos casos clássicos foi o da dieta da princesa, que fez muito sucesso há algum tempo atrás – no caso, era a princesa Kate Middleton, esposa do Príncipe William, do Reino Unido. Ela, como toda princesa deve ser, é bem magra. O corpo vem de um sacríficio que Kate teve de fazer: o regime incluía muitas proteínas e quase nada de carboidrato. Já dá para perceber que não é lá muito saudável. O que repercutia no imaginário feminino era muito mais a idealização da princesa: a dieta era só mais um modo de alcançá-la.
E essa estrutura se repete por aí. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (a Unifesp), em 2002, analisou o valor nutricional de 112 dietas que apareciam nas revistas brasileiras à época. Resultado: só uma delas atendia a requisitos mínimos para garantir a nutrição da pessoa, e a maioria esmagadora era cilada, prejudicando a saúde da pessoa que buscava a boa forma.
Com a ascensão da internet, a coisa piorou. Tumblr, Facebook, Instagram, Twitter e as outras tantas redes sociais colaboram para a obsessão por corpos cada vez mais magros. Esses sites espalham com uma velocidade assustadora ideias sobre a imagem corporal que atingem pessoas do mundo todo, de todas as idades, até mesmo aquela priminha de 12 anos que dá os primeiros passos na web.
Exemplos disso são os desafios, que rodam por aí, a fim de “comprovar” que determinada pessoa é magra. Se você consegue cumpri-los, parabéns, você é uma vencedora. Se não, feche a boca. O mais recente é o “collarbone challenge“, que começou na China. Mulheres têm que enfileirar o maior número possível de moedas na clavícula, as famosas “saboneteiras”. Quanto mais moedas, mais enxuta a moça é.
Já o “bellybutton challenge” quer que as mulheres encostem no umbigo passando o braço por trás do corpo. Mas atingir tal proeza não é só uma questão de ser ou não magra: fatores como flexibilidade e estrutura óssea também entram em jogo. Encostar no umbigo não é indicativo de nada: muito menos de que alguém está magro ou gordo.
A gravidez, que antes era um território seguro, aparentemente entrou no jogo. A nova moda é a “mãe fitness”, com barriga pequena e sarada (mesmo com o volume extra, já que abriga um bebê). Se uma mulher “comum” já se sentia fracassada por não conseguir voltar ao seu peso original – ao contrário das famosas, como vemos por aí -, imagine agora que a obrigação de ser sarada também afeta o período gestacional.
São mais e mais imagens (muitas vezes retocadas) que ditam um modelo só. “A imagem da modelo alta, magra, longilínea, caucasiana, sem rugas, celulites, manchas ou mesmo poros é incessantemente repetida, como uma norma. Esta é a origem do sentimento de inadequação”, reforça Altheia.
A constatação também aparece no livro de Naomi Wolf, que citamos lá em cima. “Uma fixação cultural na magreza feminina não é uma obsessão pela beleza feminina, mas uma obsessão pela obediência feminina”. Qualquer mulher que desobedeça um padrão, voluntariamente ou involuntariamente, é taxada de feia, estranha ou desleixada. Afinal, o corpo da mulher está aí para ser observado.
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