feminismo 1.0
Feminismo 1.0
Cristina Naumovs
Diretora criativa da Nova Cosmopolitan, do Grupo Abril
Feminismo 1.0
Um spoiler: ainda estamos na quinta série desse assunto
15 de setembro de 2016 - 17h19
Junho de 2016, reunião com leitoras da revista: um dos assuntos que elas mais falam é sobre “o cara não ligar de novo se a gente transar no primeiro dia”, isso vindo de homens “bacanas” e mulheres “empoderadas”. Vou repetir: junho de 2016.
Vivemos em um mundo em que é normal a mulher ser sexy, em que é preciso ser sexy, você quer ser sexy, ter a roupa X, o sapato Y, o novo blush que garante a picardia de que você precisa. Mas não se engane, você não pode gostar de sexo, não pode falar de sexo, dizer do que gosta ou do que não gosta. Mas ai de você se chegar mal-humorada pra trabalhar, porque você ganha um post-it nas costas escrito “mal comida”.
Precisamos resolver essa equação.
A publicidade decidiu que o empoderamento é o novo preto, certo? O feminismo, a bola da vez. Mas quem está falando de empoderamento aqui? O exercício diário é sobre liberdade. É sobre querer usar ou não o seu produto e tudo bem. É sobre querer transar na primeira noite e tudo bem. É falar sobre masturbação e não ser um big deal. É sobre não ter aquele corpo que aparece nos reclames da TV aberta (ou por que você imagina que “Nossa, como você tá magra!” seja o melhor elogio que alguém pode ouvir desse lado do Ocidente?). Deveria ser tudo bem. Mas não é.
E teoricamente é. Temos discursos lindos pra tudo, revistas femininas incluídas (aqui, um parêntese antes da porrada: fazemos, diariamente, um mea-culpa nas redações, pensando em pluralidade, em como falar de beleza pra todos, em prazer que seja bom pros dois, duas, du@s).
Mas não, amigos, não estamos avançando. É ainda a quinta série, em que a professora fala cocô e as risadinhas correm soltas. Somos nós ainda pedindo pra um cara levar a gente até o carro à noite, com medo da violência.
Esse trem que a publicidade pegou ainda sem saber em que estação descer é muito confuso. Chamamos as feministas pra falar? Ai, mas que saco, não pode mais nada; nem ser mais gentil o cara pode que a mulher já acha que é machismo. Tá, tá, bota aí uma gorda, uma negra, hummm, um gay, vai. Ótimo. Não, nada ótimo.
Não avançamos nas discussões mais básicas do feminino nem do feminismo (antes que alguém fale, nem sobre o papel dos caras nisso tudo). Ah, mas publicidade não é ONG. Certíssimo, a conta tem que fechar no fim do dia. Mas preciso contar um segredo: mulher livre se engaja mais. Não é sobre isso que estamos trabalhando o tempo todo? Sobre alguém acreditar, ser fiel e indicar a nossa marca? A consistência do consumo vem da chancela, de trazer gente pra perto do nosso mundo. E isso melhora a coluna da direita das suas tabelas, mesmo quando a grana demora um pouco mais a entrar.
Volto pra empatia aqui, pra encerrar. Enquanto você não entender, de verdade, qual o medo que uma mulher sente da violência, ou comentar a roupa da vizinha de mesa, perguntar se a menina tá naqueles dias, você não entendeu nada, mesmo gabaritando os itens todos. Essa conta é nossa, minha, sua, das revistas, das agências. E só vamos passar de ano quando terminarmos de pagar. Nos vemos no quarto bimestre, em que mostraremos nossos boletins e, quem sabe, poderemos avançar um tiquinho nessa conversa.
Cristina Naumovs
Diretora criativa da Nova Cosmopolitan, do Grupo Abril
Feminismo 1.0
Um spoiler: ainda estamos na quinta série desse assunto
15 de setembro de 2016 - 17h19
Junho de 2016, reunião com leitoras da revista: um dos assuntos que elas mais falam é sobre “o cara não ligar de novo se a gente transar no primeiro dia”, isso vindo de homens “bacanas” e mulheres “empoderadas”. Vou repetir: junho de 2016.
Vivemos em um mundo em que é normal a mulher ser sexy, em que é preciso ser sexy, você quer ser sexy, ter a roupa X, o sapato Y, o novo blush que garante a picardia de que você precisa. Mas não se engane, você não pode gostar de sexo, não pode falar de sexo, dizer do que gosta ou do que não gosta. Mas ai de você se chegar mal-humorada pra trabalhar, porque você ganha um post-it nas costas escrito “mal comida”.
Precisamos resolver essa equação.
A publicidade decidiu que o empoderamento é o novo preto, certo? O feminismo, a bola da vez. Mas quem está falando de empoderamento aqui? O exercício diário é sobre liberdade. É sobre querer usar ou não o seu produto e tudo bem. É sobre querer transar na primeira noite e tudo bem. É falar sobre masturbação e não ser um big deal. É sobre não ter aquele corpo que aparece nos reclames da TV aberta (ou por que você imagina que “Nossa, como você tá magra!” seja o melhor elogio que alguém pode ouvir desse lado do Ocidente?). Deveria ser tudo bem. Mas não é.
E teoricamente é. Temos discursos lindos pra tudo, revistas femininas incluídas (aqui, um parêntese antes da porrada: fazemos, diariamente, um mea-culpa nas redações, pensando em pluralidade, em como falar de beleza pra todos, em prazer que seja bom pros dois, duas, du@s).
Mas não, amigos, não estamos avançando. É ainda a quinta série, em que a professora fala cocô e as risadinhas correm soltas. Somos nós ainda pedindo pra um cara levar a gente até o carro à noite, com medo da violência.
Esse trem que a publicidade pegou ainda sem saber em que estação descer é muito confuso. Chamamos as feministas pra falar? Ai, mas que saco, não pode mais nada; nem ser mais gentil o cara pode que a mulher já acha que é machismo. Tá, tá, bota aí uma gorda, uma negra, hummm, um gay, vai. Ótimo. Não, nada ótimo.
Não avançamos nas discussões mais básicas do feminino nem do feminismo (antes que alguém fale, nem sobre o papel dos caras nisso tudo). Ah, mas publicidade não é ONG. Certíssimo, a conta tem que fechar no fim do dia. Mas preciso contar um segredo: mulher livre se engaja mais. Não é sobre isso que estamos trabalhando o tempo todo? Sobre alguém acreditar, ser fiel e indicar a nossa marca? A consistência do consumo vem da chancela, de trazer gente pra perto do nosso mundo. E isso melhora a coluna da direita das suas tabelas, mesmo quando a grana demora um pouco mais a entrar.
Volto pra empatia aqui, pra encerrar. Enquanto você não entender, de verdade, qual o medo que uma mulher sente da violência, ou comentar a roupa da vizinha de mesa, perguntar se a menina tá naqueles dias, você não entendeu nada, mesmo gabaritando os itens todos. Essa conta é nossa, minha, sua, das revistas, das agências. E só vamos passar de ano quando terminarmos de pagar. Nos vemos no quarto bimestre, em que mostraremos nossos boletins e, quem sabe, poderemos avançar um tiquinho nessa conversa.
fonte http://www.meioemensagem.com.br/home/opiniao/2016/09/15/feminismo-1-0.html
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