Revista Claudia - fevereiro - 2014 / Ela superou o cativeiro
Superação: ela viveu mais de um ano em cativeiro e conseguiu passar por cima do o trauma
Aos 27 anos, canadense Amanda Lindhout foi sequestrada por um grupo rebelde na Somália. Ficou refém por 15 meses. Conheça a história, que virou livro.
Publicado em 10/03/2014
Isabella D' Ercole
A experiência Amanda Lindhout virou livro
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Aprendi desde cedo a me virar e a ser forte. Meus pais se separaram quando eu era criança e minha mãe se casou com um homem violento, o que tornou nossa casa um ambiente instável. Morávamos em uma cidade pequena e, aos 19 anos, mudei com meu namorado para uma maior.Arranjei emprego de garçonete pela primeira vez, tinha o próprio dinheiro e podia investir no que quisesse. Escolhi viajar. Trabalhava seis meses, poupava e partia. Assim, fui à Índia, Venezuela, Nicarágua...
Estava solteira quando cheguei à Etiópia, em 2006. Lá, conheci Nigel Brennan, um fotógrafo australiano. Nossa conexão foi imediata e engatamos um namoro. Rompi ao descobrir que ele era casado. Mas continuamos a nos falar como amigos. Nessa época, mesmo sem ser formada, eu já colaborava com veículos de comunicação mandando as boas histórias que achava no caminho. Então, surgiu a chance de trabalhar em Bagdá para uma TV iraniana. Fiquei animada. Morei lá apenas sete meses e já senti desejo de ter outro desafio.
A Somália
O país, que me atraía, estava em guerra civil havia 15 anos e era considerado um dos mais perigosos do mundo. Até jornalistas experientes se negavam a ir para lá. Eu sabia que encontraria histórias incríveis para contar. Troquei e-mails com Nigel e o convidei para fazer as fotos. Ele topou. Quando nos encontramos em Nairóbi, no Quênia, tive certeza de que nosso romance havia terminado. Voamos para Mogadíscio, na Somália, com planos de ficar pouco tempo. Eu tinha contato com quem poderia nos levar aos lugares certos.
Era 23 de agosto de 2008, nosso terceiro dia lá. Seguíamos por uma estrada para um acampamento dos sem-teto. Tínhamos contratado seguranças particulares e um câmera. No trajeto, o carro foi parado abruptamente e vi que estávamos cercados por uma dúzia de homens usando lenços que cobriam o rosto todo, com exceção dos olhos. Eles apontavam fuzis para nós. A lembrança seguinte é de estar deitada de bruços com o rosto na areia quente e uma arma encostada na minha cabeça. Eles nos revistaram, nos colocaram de volta no carro e partimos com um dos sequestradores ao volante.
Demorei a entender que o Nigel e eu éramos reféns e tínhamos virado uma mercadoria valiosa. Ligaram para a minha família e exigiram muito mais dinheiro do que era possível pagar. Passamos por 13 cativeiros e pouco sabíamos sobre em que pé estavam as negociações, o que só aumentava a ansiedade. Eu temia pela minha vida, já que os sequestradores foram ficando mais e mais violentos. Um dia, levaram o Nigel para outro quarto. Dali em diante, fui estuprada, torturada e ameaçada de morte várias vezes. Eu, que sempre me achei tão destemida, estava apavorada. Ficamos presos 15 meses e meio. Eu pensava muito na minha família, na vida incrível que tinha tido e nas coisas que ainda queria realizar. Cada um acha seu mecanismo para lidar com situações traumáticas. Parecia tudo tão surreal que eu precisava encontrar uma lógica naquilo. Foi quando parei para analisar quem me aprisionava. Eles eram produto de uma nação destruída pela guerra, havia órfãos de 16 anos que nunca tinham ido à escola. Era uma realidade triste. Entender isso diminuiu minha raiva.
O cativeiro
Na verdade, passei por diferentes fases no cativeiro: fiquei infeliz, deprimida, raivosa, questionei por que merecia estar ali. Quando estava quase perdendo as esperanças, porém, eu me imaginava em um lugar feliz. E me fazia promessas para quando saísse dali: viajar com minha mãe, ter sempre flores frescas em casa, pedir desculpa às pessoas que magoei... Depois de cinco meses, eu e o Nigel nos sentíamos desesperados. Mas nós não conhecemos o tamanho da força humana até colocá-la à prova. Trocando bilhetes escondido, combinamos uma fuga. Abrimos um buraco na parede do banheiro e pulamos para a rua. Corremos o máximo que pudemos. Entramos em uma mesquita para pedir ajuda, mas ninguém fez nada e fomos capturados novamente. Claro que o castigo veio.
A vida de volta
Já estava há tanto tempo presa que não imaginava mais quando aquilo teria um desfecho, se é que teria. Assim, o dia da libertação foi uma surpresa. Pensei que seríamos vendidos para um grupo fundamentalista. Ao ser colocada no carro que nos transportaria, eu chorava copiosamente. Um homem que eu nunca tinha visto antes me entregou um celular. Do outro lado da linha, ouvi a voz da minha mãe dizendo que eu estava livre. Nossas famílias haviam entregado quase 1,2 milhão de dólares para o resgate, depois de recolher doações do mundo todo. Finalmente, iria reencontrar minha mãe. Sonhava com o momento em que estaria novamente no colo dela.
Fiquei semanas no hospital me recuperando dos maus-tratos. Acredito que tudo na vida acontece por um motivo, mas isso não torna mais fácil lidar com essa história. Acho que minha recuperação será eterna, sem prazo. Há dias bons e outros ruins. Acordo desejando perdoar as pessoas que me fizeram mal, só que nem sempre consigo. Nem por isso me tornei uma pessoa amarga, cheia de raiva ou apavorada.
Quando cheguei em casa, fundei a Global Enrichment Foundation, para fomentar a educação e estimular mudanças positivas na Somália. Em 2011, durante uma crise de alimentos, voltei ao país para distribuir comida. Não senti medo. No final de 2013, lancei o livro A Casa no Céu (Novo Conceito), escrito em parceria com a jornalista Sara Colbert. O título se refere ao lugar em que eu me refugiava dentro da minha mente quando as experiências eram ruins demais. Algumas partes foram difíceis de relembrar, mas, no final, escrever ajudou na recuperação.
Agora, aos 32 anos, quero me dedicar mais a mim mesma. Vou, finalmente, cursar uma faculdade. Não sei o que o futuro guarda para mim, mas estou animada por ser livre para vivê-lo.
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