O escultor que eterniza em pele as singularidades de um corpo nu

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João Carvalho divide-se entre o mundo artístico e o técnico e faz arte a partir dos dois. O MIRANTE visitou o atelier do artista plástico na localidade de Gouxaria, em Alcanena.

Edição de 2013-06-20
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Num espaço que evoca uma sala de cinema, num ambiente de semi-obscuridade, estão dispostas várias esculturas de corpos femininos e masculinos que integram a exposição “Nu Eterno”. Todos estão despidos e, sem face, são de certo modo enigmáticos. Não são todos corpos esbeltos. São esculturas feitas a partir de moldes humanos e, por isso, apresentam a forma que a pessoa comum tem. Estamos no interior do atelier do artista plástico João Carvalho, na localidade de Gouxaria, em Alcanena.
Assim que chegamos somos surpreendidos pelas linhas de um moderno edifício, rodeado por um exótico jardim de cactos, coleccionados pelo escultor nascido em Torres Novas há 51 anos. “As pessoas ficam impressionadas pela realidade com que são apresentadas as minhas peças. O conceito passa por registar as mudanças do nosso corpo em pele. Tenho aqui a escultura de uma mulher grávida ou de uma jovem que hoje tem menos 24 quilos”.
João Carvalho nasceu no meio da indústria dos curtumes sendo neto do fundador da empresa “António Nunes de Carvalho”, que ainda hoje funciona e estudou curtumes durante quatro anos na Alemanha, formação que terminou em 1983. Trabalhou com a família durante nove anos até se estabelecer por conta própria, prestando consultadoria a empresas nacionais e internacionais, no processo criativo. Descreve-se como um “designer” de pele, matéria-prima que considera “muito nobre” e que implica processos elaborados de transformação. “Depois de ser esfolada de um animal, a pele é um cadáver. Se não a tratarmos ela entra em putrefacção. E nós podemos dar-lhe vida novamente. Depois de curtida está conservada para sempre”.
Foi há alguns anos que concebeu a sua primeira escultura em pele a partir das mãos e dos pés de um colega com quem estava de férias: um Cristo. Resultou e quis fazer um corpo feminino, pedindo a amigas que servissem de modelos. Diz que as suas esculturas resultam da conjugação do processo evolutivo com o criativo. No início as esculturas mostravam apenas um lado do corpo, mas hoje são tridimensionais.
Começa por observar alguém, em seguida tira várias fotografias - uma paixão, a par das motos - visualiza a aplicação da pele e técnicas a aplicar de modo a obter a criação final. O processo com que cria as suas esculturas foi patenteado e, só depois, começou a fazer exposições. A primeira mostra realizou-se em 2006 no Europarque, em Santa Maria da Feira. Já aceitou fazer esculturas por encomenda e há obras que não vende por serem pessoais demais.
O designer diz que herdou do lado materno o amor pelo universo artístico, através do avô Pereira que se dedicava à pintura retratista. Do lado paterno, através do pai e do avô, recebeu o conhecimento e as técnicas de tratamentos de pele. “Comecei a pintar com o meu avô quando tinha 12 anos mas obtive a técnica necessária para me dedicar à escultura a partir da experiência nos curtumes. Desde a pele crua até inventar uma curtimenta que desse elasticidade mas também dureza no final. Foi isso que desenvolvi”, descreve. Curiosamente, ainda não imortalizou o seu próprio corpo.

Artista e empresário
Paralelamente à veia artística, João Carvalho é um empresário que trabalha com pele de vaca, bovino, caprino e ovino. “A minha actividade está ligada à moda. Há estilistas de marca que criam um sapato ou uma mala em pele. O meu trabalho passa por dar um tema a essa pele com várias técnicas que inventei e acabamentos”, exemplifica.
Também dá consultadoria técnica a empresas de curtumes e está a acabar um livro de tendências para o Inverno de 2014/2015 que vai apresentar em Setembro em feiras da especialidade. “As empresas de curtumes para as quais trabalho têm os seus clientes, as marcas para quem vendem. Os estilistas compram a essas empresas mas sou eu que desenvolvo as ideias para as pôr em produção”, explica.
João Carvalho é um apaixonado pelo que faz. Diz que não trabalha. Cria todos os dias. Passa o ano a viajar pelo mundo a participar em feiras, formações e reuniões. Sente que o seu trabalho é mais apreciado além-fronteiras. Por isso, está neste momento a terminar algumas esculturas e várias peças de mobiliário em pele que vão ser expostas em Itália.
“O tabu do corpo já não existe. Os jovens fazem tatuagens, colocam piercings. Acho fantástica a possibilidade da mulher, que tem mais cuidados estéticos que o homem, poder registar o seu corpo, em determinada fase da sua vida, em pele”, considera.
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