Escola Base: “Tenho o dever de assumir o erro”
ENTREVISTA / VALMIR SALARO
Por Nathália Carvalho em 07/05/2013 na edição 745
Reproduzido do portal Comunique-se, 2/5/2013; título original “‘Tenho o dever de assumir o erro”, diz Valmir Salaro sobre o Caso Escola Base”
Há 35 anos no jornalismo e com reconhecidas entrevistas, o repórter Valmir Salaro não hesita ao afirmar que o Caso Escola Base foi o que mais marcou sua carreira. Com passagens por Diário do Grande ABC, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e outros veículos, o jornalista está há 20 anos na TV Globo e afirma que a história trata-se de “uma ferida aberta” e que reconhecer o erro é necessário. “Talvez os profissionais mais jovens possam pegar o meu exemplo e evitar erros no futuro”, disse.
Convidado para participar do seminário “O Crime e a Notícia” – ocorrido em 25/4, em São Paulo –, Salaro conversou com a reportagem do Comunique-se sobre seu trabalho e experiência ao entrevistar suspeitos e acusados de assassinatos e outros crimes. O profissional dá dicas e conta como se prepara para as pautas.
Durante sua carreira, qual a entrevista mais marcante?
Valmir Salaro – A entrevista que mais marcou foi do caso da Escola Base. Entrevistei as pessoas que foram acusadas e elas negavam que tinham feito aquilo, e realmente não tinham. Até hoje, é uma história que me marcou e me marca muito. Sofri muito com isso. Não tanto quanto eles, mas sofri.
Como você vê o caso atualmente?
V.S. – É uma ferida aberta, que no meu caso já virou cicatriz, mas que está presente. Quando tem esses debates, jornalistas e colegas que estão começando me procuram para falar justamente sobre esse tema. Tenho o dever de falar. Muitos colegas na redação lembram que o erro não foi só meu, mas sempre digo: “cometi um erro. Eu tenho o dever de assumir”.
Assumir o erro pode servir de exemplo para a nova geração de repórteres?
V.S. – Os profissionais mais jovens podem pegar o meu exemplo e evitar erros no futuro, evitar acreditar fielmente em laudos, delegados, promotores. Tem que desconfiar sempre, esse é o segredo.
Se o Caso Escola Base não tivesse existido, você cometeria o mesmo erro hoje?
V.S. – Esses erros estão sendo cometidos quase que diariamente, mas eles não viram notícia. Vi outros colegas errarem e jogarem para debaixo do tapete. Vejo a polícia cometendo erros. Recentemente, o caso da mulher que estava grávida e foi morta no início do ano, a polícia disse que prendeu os verdadeiros assassinos agora. Só que tinha um rapaz preso no começo, que a polícia apontou como um dos assassinos. Ele tinha antecedente e parecia com o retrato falado. Isso passou discretamente. Ou a imprensa não quis reconhecer o erro, ou não sei. Ninguém divulgou que poderia ter um rapaz preso que não cometeu esse crime.
Você já conduziu diversas entrevistas com suspeitos e ou acusados. Como é esse trabalho?
V.S. – É difícil. Depende do caso, do ato que o entrevistado cometeu. Procuro me informar bastante sobre o que tem a respeito de acusação e também da defesa, porque dificilmente uma pessoa vai chegar à minha frente e confessar um crime. Cubro essa área há muito tempo e acho que isso aconteceu comigo somente em um caso, que foi o do torcedor corintiano de 17 anos que assumiu publicamente ter feito o disparo do sinalizador.
Quando ele assumiu a responsabilidade pelo disparo que matou o garoto Kevin...
V.S. – Questionei para saber se ele estava sendo usado ou não para defender os outros presos na Bolívia. Foi a primeira pessoa que confessou um crime. Normalmente as pessoas que eu entrevisto, apesar de eu fazer as perguntas que acho pertinentes, elas acabam negando. Elas vão dar a versão delas. Elas respondem e tem na cabeça uma tese que não cometeram o crime e que vão convencer a mim e as pessoas em casa. É difícil, mas você vai tentando tirar um detalhe ou outro. O repórter também não vai ficar só no depoimento dessa pessoa. Ele é obrigado a ouvir o advogado de defesa, o promotor do caso e apresentar as provas que tem contra essa pessoa.
Como você se prepara para essas entrevistas?
V.S. – Vai muito do momento. Se você se preparar muito, fica uma coisa de “pergunta isso, pergunta aquilo”. Na redação, se eu for entrevistar o Gil Rugai, por exemplo, todos querem saber algo. Absorvo essas perguntas e faço as minhas. O importante para o repórter é prestar atenção na resposta, pois é em cima disso que ele vai elaborar outras questões.
Quais os cuidados necessários para conduzir as conversas?
V.S. – Preocupo-me como se estivesse do outro lado do microfone. Procuro ser o mais respeitoso possível, pelo fato de o entrevistado confiar em mim e conceder entrevista, material que posso editar, manipular e acabar com aquela pessoa. Tenho que ter respeito e responsabilidade. Aquilo que ela me falar é o que vai para o ar. Não manipulo, não uso de maneira indevida e nem faço perguntas capciosas ou, depois, comentários em cima do que já foi gravado. Tem que ter relação de confiança entre o repórter e a pessoa que está sendo investigada, denunciada ou que realmente cometeu um crime.
Você consegue passar segurança para as suas fontes?
V.S. – É preciso ser honesto e buscar a verdade. Posso estar na frente de uma pessoa que realmente é inocente. Farei as perguntas que eu achar que as pessoas que estão em casa gostariam de saber. Vou confrontar e ela vai ter o direito de contestar a acusação ou até assumir parte da história. Já estive com o Gil Rugai duas vezes, ele nega o crime e mesmo assim foi condenado. Estive com o Maníaco do Parque e outros criminosos. Sei que tenho poder maior, estou com um microfone na mão, não estou sendo acusado de nada e a sociedade não está me vendo como criminoso. A pessoa merece o meu respeito por me receber e resolver falar comigo.
***
Nathália Carvalho, do Comunique-se
Convidado para participar do seminário “O Crime e a Notícia” – ocorrido em 25/4, em São Paulo –, Salaro conversou com a reportagem do Comunique-se sobre seu trabalho e experiência ao entrevistar suspeitos e acusados de assassinatos e outros crimes. O profissional dá dicas e conta como se prepara para as pautas.
Durante sua carreira, qual a entrevista mais marcante?
Valmir Salaro – A entrevista que mais marcou foi do caso da Escola Base. Entrevistei as pessoas que foram acusadas e elas negavam que tinham feito aquilo, e realmente não tinham. Até hoje, é uma história que me marcou e me marca muito. Sofri muito com isso. Não tanto quanto eles, mas sofri.
Como você vê o caso atualmente?
V.S. – É uma ferida aberta, que no meu caso já virou cicatriz, mas que está presente. Quando tem esses debates, jornalistas e colegas que estão começando me procuram para falar justamente sobre esse tema. Tenho o dever de falar. Muitos colegas na redação lembram que o erro não foi só meu, mas sempre digo: “cometi um erro. Eu tenho o dever de assumir”.
Assumir o erro pode servir de exemplo para a nova geração de repórteres?
V.S. – Os profissionais mais jovens podem pegar o meu exemplo e evitar erros no futuro, evitar acreditar fielmente em laudos, delegados, promotores. Tem que desconfiar sempre, esse é o segredo.
Se o Caso Escola Base não tivesse existido, você cometeria o mesmo erro hoje?
V.S. – Esses erros estão sendo cometidos quase que diariamente, mas eles não viram notícia. Vi outros colegas errarem e jogarem para debaixo do tapete. Vejo a polícia cometendo erros. Recentemente, o caso da mulher que estava grávida e foi morta no início do ano, a polícia disse que prendeu os verdadeiros assassinos agora. Só que tinha um rapaz preso no começo, que a polícia apontou como um dos assassinos. Ele tinha antecedente e parecia com o retrato falado. Isso passou discretamente. Ou a imprensa não quis reconhecer o erro, ou não sei. Ninguém divulgou que poderia ter um rapaz preso que não cometeu esse crime.
Você já conduziu diversas entrevistas com suspeitos e ou acusados. Como é esse trabalho?
V.S. – É difícil. Depende do caso, do ato que o entrevistado cometeu. Procuro me informar bastante sobre o que tem a respeito de acusação e também da defesa, porque dificilmente uma pessoa vai chegar à minha frente e confessar um crime. Cubro essa área há muito tempo e acho que isso aconteceu comigo somente em um caso, que foi o do torcedor corintiano de 17 anos que assumiu publicamente ter feito o disparo do sinalizador.
Quando ele assumiu a responsabilidade pelo disparo que matou o garoto Kevin...
V.S. – Questionei para saber se ele estava sendo usado ou não para defender os outros presos na Bolívia. Foi a primeira pessoa que confessou um crime. Normalmente as pessoas que eu entrevisto, apesar de eu fazer as perguntas que acho pertinentes, elas acabam negando. Elas vão dar a versão delas. Elas respondem e tem na cabeça uma tese que não cometeram o crime e que vão convencer a mim e as pessoas em casa. É difícil, mas você vai tentando tirar um detalhe ou outro. O repórter também não vai ficar só no depoimento dessa pessoa. Ele é obrigado a ouvir o advogado de defesa, o promotor do caso e apresentar as provas que tem contra essa pessoa.
Como você se prepara para essas entrevistas?
V.S. – Vai muito do momento. Se você se preparar muito, fica uma coisa de “pergunta isso, pergunta aquilo”. Na redação, se eu for entrevistar o Gil Rugai, por exemplo, todos querem saber algo. Absorvo essas perguntas e faço as minhas. O importante para o repórter é prestar atenção na resposta, pois é em cima disso que ele vai elaborar outras questões.
Quais os cuidados necessários para conduzir as conversas?
V.S. – Preocupo-me como se estivesse do outro lado do microfone. Procuro ser o mais respeitoso possível, pelo fato de o entrevistado confiar em mim e conceder entrevista, material que posso editar, manipular e acabar com aquela pessoa. Tenho que ter respeito e responsabilidade. Aquilo que ela me falar é o que vai para o ar. Não manipulo, não uso de maneira indevida e nem faço perguntas capciosas ou, depois, comentários em cima do que já foi gravado. Tem que ter relação de confiança entre o repórter e a pessoa que está sendo investigada, denunciada ou que realmente cometeu um crime.
Você consegue passar segurança para as suas fontes?
V.S. – É preciso ser honesto e buscar a verdade. Posso estar na frente de uma pessoa que realmente é inocente. Farei as perguntas que eu achar que as pessoas que estão em casa gostariam de saber. Vou confrontar e ela vai ter o direito de contestar a acusação ou até assumir parte da história. Já estive com o Gil Rugai duas vezes, ele nega o crime e mesmo assim foi condenado. Estive com o Maníaco do Parque e outros criminosos. Sei que tenho poder maior, estou com um microfone na mão, não estou sendo acusado de nada e a sociedade não está me vendo como criminoso. A pessoa merece o meu respeito por me receber e resolver falar comigo.
***
Nathália Carvalho, do Comunique-se
Comentários
Postar um comentário