Belas, ricas e casadas
Carta Fundamental
Tory Oliveira
O que é preciso para ser uma princesa? A antropóloga
Michele Escoura fez essa pergunta para meninos e meninas de duas escolas
públicas e uma particular do interior de São Paulo. As respostas dos
200 alunos de 5 anos reuniram as seguintes características: ser jovem,
bonita, magra, possuir joias e vestidos e casar-se com um príncipe. O
objetivo da pesquisa era entender como as princesas de duas animações da
Disney influenciavam a visão de feminilidade de meninos e meninas da pré-escola.
As reações das crianças diante de duas histórias centradas em
protagonistas femininas – Cinderela (1950) e Mulan (1998) – mostraram
que a ideia de “princesa” para elas está associada a obter sucesso no
amor romântico e possuir beleza tradicional. “Esse ideal de feminilidade
está presente na sociedade como um todo, e as princesas da Disney
traduzem isso para essa faixa etária”, analisa Michele.
Os primeiros passos para a pesquisa foram dados ainda durante a
graduação em Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista (Unesp),
quando a antropóloga passou a se interessar pelo campo dos estudos de
gênero. Fundada na década de 1960, a área procura investigar como a
sociedade influencia na construção da masculinidade e da feminilidade.
Partindo desse pressuposto, Michele passou a investigar a primeira
infância. “Quando comecei a entrar em contato com as crianças, percebi
que Cinderela era uma referência muito presente no cotidiano das
meninas, que falavam sobre a personagem e tinham muitos produtos”,
relata.
A popularidade da personagem, criada na década de 1950, intrigou a
antropóloga, que resolveu estudar o que o filme poderia estar ensinando
para as meninas. No entanto, uma das razões encontradas para o sucesso
de Cinderela é comercial. A personagem faz parte da marca “Princesas
Disney”, criada em 2000 com o objetivo de licenciar a imagem de
personagens específicas para diversos tipos de produto. “As crianças
conhecem as personagens pelos produtos e só depois buscam os filmes”,
conta.
A pesquisa se ampliou durante o mestrado na Universidade de São
Paulo, quando Michele passou a analisar o que os pequenos entendiam e
aprendiam com as personagens. Na época, a Disney dividia as princesas
entre “clássicas” e “rebeldes”. Do lado clássico ficavam personagens
como Cinderela, Branca de Neve e Bela Adormecida. Já Ariel (A Pequena
Sereia), Jasmin (Aladin) e Mulan foram classificadas como rebeldes. Por
causa da divisão, Michele delimitou o estudo a duas obras de animação,
cada uma com um tipo de princesa. A primeira é Cinderela, clássico
adaptado do francês Charles Perrault, sobre a menina bondosa impedida de
ir ao baile real pela madrasta malvada e que é ajudada por uma fada
madrinha e reconhecida pelo príncipe encantado por meio de seu
sapatinho de cristal. O outro filme é Mulan, animação de 1998
protagonizada por uma jovem corajosa que se traveste de homem para
representar sua família no exército da China.
Jovens e loiras
Entre 2009 e 2011, Michele passou a frequentar as salas de aula de cada escola ao longo de quatro meses, três vezes por semana. A pesquisadora assistiu aos dois filmes com crianças de três escolas nas cidades de Marília e Jundiaí, no estado de São Paulo. Durante as sessões, anotava os comentários feitos espontaneamente pelos alunos e, após os filmes, pedia que as crianças desenhassem a parte de que mais gostaram e explicassem o porquê. “Ficou claro que Mulan, ao contrário de Cinderela, não era considerada uma princesa”, conta Michele. Algumas crianças afirmaram que Mulan não era uma princesa porque a chinesa não chegava a se casar no fim da história – apenas é sugerido um encontro com seu par romântico.
Entre 2009 e 2011, Michele passou a frequentar as salas de aula de cada escola ao longo de quatro meses, três vezes por semana. A pesquisadora assistiu aos dois filmes com crianças de três escolas nas cidades de Marília e Jundiaí, no estado de São Paulo. Durante as sessões, anotava os comentários feitos espontaneamente pelos alunos e, após os filmes, pedia que as crianças desenhassem a parte de que mais gostaram e explicassem o porquê. “Ficou claro que Mulan, ao contrário de Cinderela, não era considerada uma princesa”, conta Michele. Algumas crianças afirmaram que Mulan não era uma princesa porque a chinesa não chegava a se casar no fim da história – apenas é sugerido um encontro com seu par romântico.
Uma menina discordou e reconheceu Mulan como princesa, mas desenhou a
personagem, dona de traços orientais e cabelo escuro, com o cabelo
amarelo, loiro. “As crianças já compreendem que o padrão de beleza mais
valorizado é esse”, afirma Michele.
A posse de joias, coroas e vestidos também foi apontada pelos
pequenos como a marca que caracterizava uma princesa, assim como a
juventude. A antropóloga explica que esse ideal de beleza está presente
não só nas princesas da Disney, mas também em novelas, revistas
femininas e na mídia de modo geral. “O risco é as crianças só terem
contato com um único referencial de beleza e feminilidade. Precisamos
valorizar e dar importância para outros tipos de feminilidade.”
Para Michele, as princesas estão mudando conforme novas personagens
femininas ganham características diferentes em filmes mais recentes. “A
Disney acompanha essa transformação social que amplia o papel da
mulher”, analisa. A antropóloga acredita, porém, que há espaço para
mudanças ainda maiores. “Mulan é uma heroína corajosa, mas que ainda
mantém traços de feminilidade arraigados, como a centralidade na beleza e
no amor romântico. Será que não podemos avançar mais?”
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