América Latina vive era de obsessão pela beleza



04 de junho de 2003
ATENÇÃO O ARTIGO É DE 2003
 
A preocupação com a beleza se transformou em verdadeira obsessão na América Latina, mobiliza uma indústria de milhões de dólares e interessa de forma igual a todas as classes sociais: agora, o sonho de ser uma Barbie parece estar ao alcance da maioria das mulheres latino-americanas, graças às cirurgias plásticas, às dietas e à ginástica.

Cada vez que uma mulher se olha no espelho, reproduz mentalmente o questionamento da bruxa da Branca de Neve. Na maioria das vezes, a resposta não é satisfatória. Até mesmo as estrelas mais belas do cinema não se sentem satisfeitas com seus traços, o comprimento das pernas, a cor da pele, sua textura, a forma da boca ou dos olhos. Por isso, não vacilam em gastar várias horas por dia numa academia de ginástica ou entregam o corpo e o rosto às mãos de um cirurgião plástico.
Graças às cirurgias e tratamentos apropriados, qualquer um tem a chance de "corrigir" o que considera uma "injustiça da natureza" ou criar uma imagem física que lhe permita se sentir mais confortável ou em melhores condições de enfrentar as exigências da sociedade. A aparência física é, para 61% das pessoas, o fator mais importante para o sucesso social, segundo recente pesquisa feita pelo instituto Gallup, no Brasil. Com pequenas variações, possivelmente este resultado pode ser válido em todo a região.
Por US$ 8 mil, em média, as mulheres e mais recentemente também os homens podem mudar a aparência recorrendo à cirurgia plástica, prática que aumentou mais de 200% na região nos últimos dez anos. No mundo, só os Estados Unidos estão à frente do Brasil em número de cirurgias estéticas. Na Argentina, estima-se que uma em cada trinta pessoas se submeta a cirurgias para mudar o rosto ou o corpo, segundo a revista americana Newsweek.
"Atualmente, no Brasil, as pessoas falam de cirurgias estéticas com naturalidade, mas em muitos países da Europa e nos Estados Unidos não é assim", disse um dos mais respeitados cirurgiões plásticos do mundo, o brasileiro Ivo Pitanguy. Os preços dos tratamentos de beleza na América Latina são muito variados e as preferências dos que se submetem a eles também. Isso se explica pela diferença de padrões de beleza.
Nos países da América Central e do Caribe, as mulheres gostam de exibir glúteos generosos. "Para conseguir esse resultado, elas podem ficar de cinco a 10 quilos acima dos padrões de beleza perseguidos pelas mulheres no Uruguai e na Argentina", explicou o médico argentino Raúl Pinto, representante na América Latina da União de Medicina Estética Internacional. "A mulher colombiana valoriza muito os lábios muito grossos, assim como no Brasil, mas o mesmo não ocorre no Chile e no México", continuou.
Embora haja diferenças na concepção do corpo de um país para outro, o modelo de beleza que prevalece na região é o europeu (pele branca, olhos claros e cabelos loiros), mas esses critérios se chocam com a realidade multirracial latino-americana. Assim como a maioria das pessoas do mundo, os latino-americanos depositam esperanças essenciais na mudança do corpo: aspiram à eterna juventude, a se parecer com uma modelo ou atriz, melhorar sua apresentação para alcançar sucesso profissional ou até mesmo fugir da discriminação. Homens e mulheres, ricos e pobres, descendentes de europeus ou indígenas invadem os centros de beleza obcecados com a idéia de desafiar a natureza para conseguir corpos na medida de seus sonhos.
O negócio da beleza

Com mais ou menos tempo e dinheiro, milhões de latino-americanas recorrem diariamente a centros de beleza com a esperança de se parecer com ícones como a modelo argentina Valeria Mazza, a atriz mexicana Salma Hayek, a apresentadora de TV chilena Cecilia Bolocco ou a cantora americana Britney Spears. Apesar da fama de "machos latinos", os homens também acabaram se rendendo: 10% da população masculina se submete a tratamentos estéticos, segundo estatísticas regionais. "Agora homens e mulheres fazem o que podem para cuidar dos corpos e, assim, preservar seus postos de trabalho", disse o esteticista chileno Patricio Araya.

Em Santiago de Chile, onde se observa um verdadeiro 'boom', há atualmente 3,5 mil centros de beleza - de academias de ginástica a salões de cabeleireiro - para uma população de quatro milhões de pessoas: um aumento de 50% nos últimos 4 anos. A proliferação de salões não é um fenômeno isolado: os chilenos consomem 600 milhões de dólares ao ano em produtos de beleza, segundo fontes da indústria cosmética.
No Brasil, 3,5 milhões de pessoas freqüentam as sete mil academias do país, pagando de US$ 10 a US$ 20 ao mês, segundo dados da rede Fitness Brasil. Os números mostram que o negócio da busca do corpo perfeito movimenta no Brasil pelo menos US$ 420 milhões. À proliferação das academias nos bairros se soma o aparecimento de novos fenômenos, como o dos personal trainers e dos spas.
Misión del Sol, em Cuernavaca (90 km ao sul da Cidade do México), é um dos muitos spas que causam furor na América Latina. O centro oferece um fim-de-semana que, por US$ 500, inclui hospedagem, alimentação, massagens, cuidados faciais, salão de beleza e tratamentos sofisticados (banho de espuma, reflexologia, talassoterapia e procedimentos esfoliantes).
Além de cuidar do corpo com exercícios físicos e apelar para terapias alternativas e para o uso de vários cosméticos, os latino-americanos também recorrem a cirurgiões para esticar a pele do rosto, engrossar os lábios, firmar os glúteos, tornear as pernas ou até mesmo afinar os joelhos. As razões que levam alguém a recorrer a uma operação para mudar a aparência variam conforme a idade, a origem social e os recursos de que dispõe.
"As adolescentes recorrem à prática, em geral, querendo mudar o nariz ou o tamanho dos seios", explicou o cirurgião plástico venezuelano Pedro Meneses. "Na medida em que a idade avança, as pacientes desejam modificar o corpo e perguntam sobre mamoplastias de aumento, redução ou levantamento dos seios e também começam a contemplar a idéia de fazer lipoaspiração ou lipoescultura. Quando se aproximam dos 40-50 começam as inquietações com o envelhecimento facial", continuou. Apesar dos diferentes pedidos dos clientes, os implantes de seio são as cirurgias mais solicitadas na região. A brasileira Silimed, única fabricante de silicone da América Latina que produz dois terços dos produtos que preenchem as próteses de seio no Brasil, vendeu 18 mil pares de implantes em 1999 e o número aumentou para 28 mil em 2000, segundo a revista americana Time.
O preço das operações na região depende muito do especialista do país: uma lipoaspiração nos quadris custa US$ 900 no Uruguai e US$ 4 mil em El Salvador. Mas há uma tendência que, segundo especialistas, é irrefutável: a prática de cirurgias estéticas é cada vez maior.

Beleza ao alcance de todos
A clínica de beleza uruguaia Fundação Clínica Echevarriarza oferece até 70% de descontos em tratamentos, dependendo da necessidade da cliente. "Estamos em condições de devolver à sociedade parte do que esta nos deu, apoiando aqueles que desejam fazer um tratamento e não tenham acesso economicamente", anuncia em sua página na Internet. "Na América Latina, a pressão social para ter melhor aparência é tão intensa que até mesmo mulheres muito pobres encontram uma forma de conseguir o dinheiro necessário", disse Meneses.
Recentemente, alguns bancos abriram linhas de crédito para financiar cirurgias de beleza e certas clínicas oferecem convênios com instituições financeiras para facilitar o pagamento das cirurgias. A isso se soma o boom de procedimentos menos agressivos que não requerem uma operação em centro cirúrgico e são, portanto, mais baratos. O melhor exemplo é o tratamento com injeções de botox para esticar a pele e diminuir as rugas, que custa em média US$ 200. Os especialistas mais responsáveis o usam com muita prudência, pois é um procedimento que apresenta riscos.
Mesmo os preços das cirurgias tradicionais caíram muito de preço nos últimos anos: há dez anos, as argentinas pagavam US$ 10 mil por um 'lifting' facial, enquanto agora a mesma operação custa nove vezes mais barato. No ano passado, a Argentina se tornou a Meca da cirurgia plástica da região, após a desvalorização de sua moeda. Os chilenos, por exemplo, podem se submeter a um "weekend touch up" ("retoque de fim-de-semana"), pacotes turísticos de dois dias que incluem tratamentos de vários tipos em Buenos Aires ou Mendoza (a oeste). Na outra ponta do continente, a Costa Rica também se promove como um centro turístico de cirurgias estéticas. "A estabilidade baseada em uma democracia que caracteriza a Costa Rica, junto com sua amabilidade e atmosfera tranqüila fazem desse país um lugar ideal para a recuperação pós-cirúrgica", anuncia a página na Internet do cirurgião plástico Ronald Pino.
Na República Dominicana, alguns médicos oferecem tours pelas principais cidades dos Estados Unidos em busca de clientes. As latino-americanas mais abastadas, ao contrário, preferem se operar nos Estados Unidos. Os destinos mais procurados pela qualidade dos centros especializados são Miami (Flórida, sudeste) e Houston (Texas, sul).
Na outra ponta da escala social, os que têm menos recursos caem na tentação das ofertas dos centros locais. Muitas vezes essas aventuras terminam em negligências médicas de graves conseqüências. No Peru, por exemplo, 80% das cirurgias estéticas são feitas em clínicas informais. Os cirurgiões dominicanos rejeitam as acusações de má prática feitas por ex-pacientes, mas reconhecem uma taxa de mortalidade pós-operatória "inferior a 2%".

Uma cirurgia de presente aos 15 anos
Na Colômbia, a tradicional festa ou viagem sonhada nos quinze anos foi deixada de lado. As adolescentes agora pedem uma cirurgia para aumentar os seios ou uma depilação definitiva com laser. "Sem entender como deveria ser seu corpo, as crianças repetem os sinais de uma cultura doentia", critica a médica Mabel Bello, responsável pela clínica Aluba, onde são tratadas as pessoas que sofrem de distúrbios alimentares.

Na Argentina, entrar em uma loja de roupas em um shopping center pode dar um exemplo deste fenômenoQuando uma mulher com medidas na média (60 quilos e 1,65 cm de altura) entra em uma butique de Buenos Aires, precisa comprar roupas de tamanho grande, enquanto nos Estados Unidos usaria tamanho pequeno. A busca pelo corpo de sílfide tem gerado excessos de alto risco para a saúde.
"A pressão da cultura por um corpo magro, a dificuldade dos jovens de encontrar seu lugar na sociedade e a crise da família como estabilizador social, bem como o individualismo excessivo" são algumas das causas apontadas por Bello para o alto índice de patologias alimentares observados no país. Tanto na Argentina quanto no Uruguai, uma em cada dez adolescentes sofre de uma patologia alimentar, como a bulimia e a anorexia.

A busca de aceitação social
Em questão de propaganda de produtos para manter a forma, todos os recursos parecem válidos, de TV a outdoors. Algumas personalidades que recorreram à cirurgia ou métodos intensivos de beleza são mostradas - com admiração ou assombro - como modelos de comportamento social. Celebridades como Zulema Yoma - ex-mulher do presidente argentino, Carlos Menem -, Silvio Santos ou a atriz mexicana Verónica Castro ocupam as primeiras páginas de publicações de seus países exibindo corpos e rostos modelados cirurgicamente.

No México, as publicações especializadas em beleza e moda são as de maior sucesso na indústria editorial do país. Enquanto os principais jornais vendem 150 mil exemplares por dia e um livro é considerado best-seller com 20 mil exemplares, a edição mexicana da Cosmopolitan distribui 300 mil cópias por mês e a revista Vanidades chega a 600 mil.

Esther Gracilita, editora de moda do suplemento de moda e beleza do jornal mexicano Reforma, afirma que "tanto nas passarelas, quanto nos meios de comunicação e nas ruas se nota essa obsessão pela beleza, a um ponto em que agora é mais importante fazer exercícios para ter boa aparência do que por motivos de saúde". Em uma região onde o modelo de beleza dominante é o tipo europeu, enquanto grande parte da população tem pele morena, olhos escuros e cabelos negros, alcançar o ideal se torna uma luta inglória. "Aqui no Chile todas querem ser bonecas Barbie: loiras, altas e magras", explicou Araya. "A obsessão ocorre porque profissionalmente exigem delas ter boa aparência. É por isso que neste país há tanta loira, embora tenham rosto de morenas", continuou.
No México, onde cerca de 70% da população têm pele morena, milhares de pessoas tentam clarear a pele usando um produto chamado Clarant B3. "Não ter os atributos que consideramos belos põe o indivíduo em desvantagem competitiva frente a esses outros seres considerados belos", explicou o cirurgião Meneses. "A cirurgia plástica pode ser vista como um meio de igualar níveis no campo de jogo e, longe de vê-la como algo banal, poderíamos então considerá-la como francamente restauradora, reparadora e funcional", concluiu.
Contra o domínio do modelo europeu de beleza na região, há algum tempo começou a ser observada um tipo de revanche do tipo latino, graças à influência de estrelas como a mexicana Salma Hayek e a americana Jennifer López. "Essa é uma mulher com mais curvas, olhos verdes, cabelos pretos e pele morena", descreveu Moncada, a especialista costarriquenha. Sua conclusão de que está surgindo um novo padrão não admite réplica: "A Miss Universo deste ano, a dominicana Amelia Veja, é a prova".

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