Um texto sobre o corpo para ler...
Caros ,
31/10/2009 | N° 10572
AlertaVoltar para a edição de hoje
COMPORTAMENTO
Toda nudez será questionada
A exposição do corpo feminino está banalizada ou representa a libertação das mulheres?
Houve uma época em que o mero vislumbre do colo de uma mulher instigava as mais variadas fantasias masculinas. Pescoço, tornozelos e pés eram pequenos territórios de sedução. Hoje, nus e seminus estão por toda parte. Garotas se exibem com pouca roupa e se tornam celebridades, adornando programas na televisão, páginas de revistas, internet e publicidade. Tamanha exposição do corpo feminino leva a questionar se vivemos um momento de banalização da nudez ou o rompimento de uma visão moralista.
Em boa parte da história, a nudez esteve vinculada à luxúria. Mesmo a Bíblia liga a falta de vestimentas ao pecado original, como descreve o livro do Gênesis no episódio que valeu a expulsão de Adão e Eva do paraíso, logo após comerem o fruto proibido: “Então os seus olhos abriram-se; e, vendo que estavam nus, tomaram folhas de figueira, ligaram-nas e fizeram cinturas para si.”
O livro História da Vida Privada, organizado por Philippe Ariès e Georges Duby, conta que na Idade Média o traje era o último invólucro da vida social antes dos mistérios macios do corpo. Segundo a obra, mesmo os cabelos eram dotados de poder erótico e, por conveniência, ordenava-se reuni-los em uma trança e escondê-los em uma touca:
– Quando as mulheres se mostram, devem refrear-se de exibir esse feixe tentador – diziam registros da época.
Diante dessa cultura cristã arraigada, imagine a reação dos portugueses diante das índias nuas em terras brasileiras. No artigo Eva Tupinambá, no livro História das Mulheres no Brasil, o autor Ronald Raminelli relata que “para alguns europeus, a nudez feminina incitava à lascívia e à luxúria”. Entretanto, filósofos do período asseguravam que os enfeites usados pelas francesas eram mais sedutores que a nudez explícita das nativas.
Para a pesquisadora Mirian Goldenberg, doutora em antropologia e professora da pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a nudez feminina sempre alimentou o imaginário e o desejo masculino. A diferença é que, nos dias atuais, o acesso é amplo. Na opinião dela, isso pode representar dois tipos de mudança: em uma visão mais moralista, significa dizer que há uma banalização, a mulher se transformou em objeto sexual. Num aspecto oposto, representa uma maior naturalização do corpo da mulher.
– O viés pode ser positivo ou negativo. Mas, de tanto aparecer mulher nua, a nudez deixa de ser um tabu – ressalta.
Na opinião de Ítor Finotelli Júnior, psicólogo, psicoterapeuta sexual e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas do Instituto Paulista de Sexualidade (GEPIPS), a naturalização da nudez já é realidade em algumas sociedades. Ele cita o naturismo como um exemplo de respeito ao próximo, ao meio ambiente e a si próprio.
Padrão opressor
Mirian ressalta que, neste início de século, o culto ao corpo se tornou uma obsessão e se transformou em um estilo de vida para algumas mulheres. Além disso, para a pesquisadora, no Brasil, o corpo é quase uma roupa, pois é ele que deve ser “exibido, moldado, manipulado, trabalhado, costurado, enfeitado, escolhido, construído, produzido, imitado”. A psicanalista inglesa Susie Orbach, citada por Mirian no artigo Nem Toda Brasileira é Bunda, considera que o modelo de beleza apregoado pela sociedade afeta especialmente as mulheres:
– É o corpo feminino perfeito, magro e esguio.
A apologia do corpo perfeito é uma das mais cruéis fontes de frustração feminina dos nossos tempos. A obsessão pela magreza virou uma epidemia.
Mirian afirma que, de um lado, o corpo feminino se emancipou de antigas servidões: sexuais, procriadoras ou indumentárias. Mas, por outro lado, ele é submetido a coerções estéticas mais regulares, imperativas e geradoras de ansiedade. Para a pesquisadora, não é a nudez ou a exposição que deixa a mulher presa a essa lógica, pois mesmo nas culturas nas quais não há tanta exposição elas também são reféns de modelos estéticos.
– Em uma cultura na qual o corpo fica mais escondido, ela pode disfarçar, não expor as imperfeições. Mas, nua ou vestida, essa lógica impera na cultura ocidental – conclui.
Mudança de postura
Tamanho acesso ao corpo feminino vem fazendo até com que revistas masculinas, tradicionais fontes de nudez para os marmanjos, revejam alguns conceitos. A versão nacional da Playboy, por exemplo, depois de um longo período estampando mulheres fruta e ex-BBBs em suas capas, retomou ensaios que exibem corpos com menor apelo a próteses estéticas ou atributos supersarados. Esse processo ficará especialmente evidenciado na edição de novembro, com a apresentadora Fernanda Young, que com suas tatuagens foge de qualquer padrão de beleza vigente.
Mirian Goldenberg lembra que esse tipo de publicação passa por fases. Em certos momentos, as revistas retratam a mulher inalcançável, mística. Em outros, divulgam mulheres com corpos que se destacam pelo exagero. Segundo ela, mesmo a onda das mulheres fruta não é recente:
– A associação entre mulher e comida sempre existiu, é frequente no Brasil. De novidade, temos os apelidos (jaca, melancia, filé e melão). Elas explicitamente podem ser comidas nos dois sentidos – diz.
Uma pesquisa belga mostra inclusive que a exploração da nudez pode dispensar seu objeto principal: o corpo. O estudo, publicado no Journal of Consumer Research, constatou que a mera visão de um biquíni, mesmo sem uma mulher dentro, é capaz de fazer o homem tomar atitudes impulsivas, como gastar grandes quantidades de dinheiro. O estudo neurocientífico demonstrou que os estímulos eróticos ativam mecanismos de recompensa e fazem com que os homens fiquem impacientes por uma gratificação. O psicólogo Ítor Finotelli Júnior lembra que o corpo humano responde pela aprendizagem e que esse estímulo pode ser particular ou coletivo:
– Para os indivíduos desse estudo, os corpos responderam à visualização do biquíni como um estímulo sexual.
Uma pesquisa realizada com jovens cariocas, em 2002, concluiu que, com relação à atração entre os sexos, o corpo tem papel fundamental. Diante da pergunta “o que mais te atrai sexualmente em um homem?”, elas disseram o tórax, o corpo e as pernas. Para a questão “o que mais te atrai sexualmente em uma mulher?”, eles responderam a bunda, o corpo e os seios. Mas Fitonelli pondera que inadmissível é aceitar e encorajar a banalização da nudez ao associá-la a um produto.
– É essa tendência que assusta as pessoas, não a nudez em si – aposta.
Na opinião do psicólogo, o sucesso de algumas mulheres com pouca roupa se deve a um investimento de mercado, que as associa a um produto que se deseja vender. Sem esse investimento, segundo ele, algumas delas passariam despercebidas pelas ruas. No máximo, ganhariam olhares, dos mais atentos, por alguns dotes físicos.
http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/impressa/11,2701381,157,13429,impressa.html
Jornal O Pioneiro Caxias do Sul
vale a pena ser este texto sobre o corpo feminino. Afinal, somos ou não somos? Como somos? Quem somos? O que somos?
31/10/2009 | N° 10572
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COMPORTAMENTO
Toda nudez será questionada
A exposição do corpo feminino está banalizada ou representa a libertação das mulheres?
Houve uma época em que o mero vislumbre do colo de uma mulher instigava as mais variadas fantasias masculinas. Pescoço, tornozelos e pés eram pequenos territórios de sedução. Hoje, nus e seminus estão por toda parte. Garotas se exibem com pouca roupa e se tornam celebridades, adornando programas na televisão, páginas de revistas, internet e publicidade. Tamanha exposição do corpo feminino leva a questionar se vivemos um momento de banalização da nudez ou o rompimento de uma visão moralista.
Em boa parte da história, a nudez esteve vinculada à luxúria. Mesmo a Bíblia liga a falta de vestimentas ao pecado original, como descreve o livro do Gênesis no episódio que valeu a expulsão de Adão e Eva do paraíso, logo após comerem o fruto proibido: “Então os seus olhos abriram-se; e, vendo que estavam nus, tomaram folhas de figueira, ligaram-nas e fizeram cinturas para si.”
O livro História da Vida Privada, organizado por Philippe Ariès e Georges Duby, conta que na Idade Média o traje era o último invólucro da vida social antes dos mistérios macios do corpo. Segundo a obra, mesmo os cabelos eram dotados de poder erótico e, por conveniência, ordenava-se reuni-los em uma trança e escondê-los em uma touca:
– Quando as mulheres se mostram, devem refrear-se de exibir esse feixe tentador – diziam registros da época.
Diante dessa cultura cristã arraigada, imagine a reação dos portugueses diante das índias nuas em terras brasileiras. No artigo Eva Tupinambá, no livro História das Mulheres no Brasil, o autor Ronald Raminelli relata que “para alguns europeus, a nudez feminina incitava à lascívia e à luxúria”. Entretanto, filósofos do período asseguravam que os enfeites usados pelas francesas eram mais sedutores que a nudez explícita das nativas.
Para a pesquisadora Mirian Goldenberg, doutora em antropologia e professora da pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a nudez feminina sempre alimentou o imaginário e o desejo masculino. A diferença é que, nos dias atuais, o acesso é amplo. Na opinião dela, isso pode representar dois tipos de mudança: em uma visão mais moralista, significa dizer que há uma banalização, a mulher se transformou em objeto sexual. Num aspecto oposto, representa uma maior naturalização do corpo da mulher.
– O viés pode ser positivo ou negativo. Mas, de tanto aparecer mulher nua, a nudez deixa de ser um tabu – ressalta.
Na opinião de Ítor Finotelli Júnior, psicólogo, psicoterapeuta sexual e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas do Instituto Paulista de Sexualidade (GEPIPS), a naturalização da nudez já é realidade em algumas sociedades. Ele cita o naturismo como um exemplo de respeito ao próximo, ao meio ambiente e a si próprio.
Padrão opressor
Mirian ressalta que, neste início de século, o culto ao corpo se tornou uma obsessão e se transformou em um estilo de vida para algumas mulheres. Além disso, para a pesquisadora, no Brasil, o corpo é quase uma roupa, pois é ele que deve ser “exibido, moldado, manipulado, trabalhado, costurado, enfeitado, escolhido, construído, produzido, imitado”. A psicanalista inglesa Susie Orbach, citada por Mirian no artigo Nem Toda Brasileira é Bunda, considera que o modelo de beleza apregoado pela sociedade afeta especialmente as mulheres:
– É o corpo feminino perfeito, magro e esguio.
A apologia do corpo perfeito é uma das mais cruéis fontes de frustração feminina dos nossos tempos. A obsessão pela magreza virou uma epidemia.
Mirian afirma que, de um lado, o corpo feminino se emancipou de antigas servidões: sexuais, procriadoras ou indumentárias. Mas, por outro lado, ele é submetido a coerções estéticas mais regulares, imperativas e geradoras de ansiedade. Para a pesquisadora, não é a nudez ou a exposição que deixa a mulher presa a essa lógica, pois mesmo nas culturas nas quais não há tanta exposição elas também são reféns de modelos estéticos.
– Em uma cultura na qual o corpo fica mais escondido, ela pode disfarçar, não expor as imperfeições. Mas, nua ou vestida, essa lógica impera na cultura ocidental – conclui.
Mudança de postura
Tamanho acesso ao corpo feminino vem fazendo até com que revistas masculinas, tradicionais fontes de nudez para os marmanjos, revejam alguns conceitos. A versão nacional da Playboy, por exemplo, depois de um longo período estampando mulheres fruta e ex-BBBs em suas capas, retomou ensaios que exibem corpos com menor apelo a próteses estéticas ou atributos supersarados. Esse processo ficará especialmente evidenciado na edição de novembro, com a apresentadora Fernanda Young, que com suas tatuagens foge de qualquer padrão de beleza vigente.
Mirian Goldenberg lembra que esse tipo de publicação passa por fases. Em certos momentos, as revistas retratam a mulher inalcançável, mística. Em outros, divulgam mulheres com corpos que se destacam pelo exagero. Segundo ela, mesmo a onda das mulheres fruta não é recente:
– A associação entre mulher e comida sempre existiu, é frequente no Brasil. De novidade, temos os apelidos (jaca, melancia, filé e melão). Elas explicitamente podem ser comidas nos dois sentidos – diz.
Uma pesquisa belga mostra inclusive que a exploração da nudez pode dispensar seu objeto principal: o corpo. O estudo, publicado no Journal of Consumer Research, constatou que a mera visão de um biquíni, mesmo sem uma mulher dentro, é capaz de fazer o homem tomar atitudes impulsivas, como gastar grandes quantidades de dinheiro. O estudo neurocientífico demonstrou que os estímulos eróticos ativam mecanismos de recompensa e fazem com que os homens fiquem impacientes por uma gratificação. O psicólogo Ítor Finotelli Júnior lembra que o corpo humano responde pela aprendizagem e que esse estímulo pode ser particular ou coletivo:
– Para os indivíduos desse estudo, os corpos responderam à visualização do biquíni como um estímulo sexual.
Uma pesquisa realizada com jovens cariocas, em 2002, concluiu que, com relação à atração entre os sexos, o corpo tem papel fundamental. Diante da pergunta “o que mais te atrai sexualmente em um homem?”, elas disseram o tórax, o corpo e as pernas. Para a questão “o que mais te atrai sexualmente em uma mulher?”, eles responderam a bunda, o corpo e os seios. Mas Fitonelli pondera que inadmissível é aceitar e encorajar a banalização da nudez ao associá-la a um produto.
– É essa tendência que assusta as pessoas, não a nudez em si – aposta.
Na opinião do psicólogo, o sucesso de algumas mulheres com pouca roupa se deve a um investimento de mercado, que as associa a um produto que se deseja vender. Sem esse investimento, segundo ele, algumas delas passariam despercebidas pelas ruas. No máximo, ganhariam olhares, dos mais atentos, por alguns dotes físicos.
http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/impressa/11,2701381,157,13429,impressa.html
Jornal O Pioneiro Caxias do Sul
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