CORPOS ULTRAMEDIDOS







Noções sobre o corpo e o consumo.
A experiência do corpo é sempre modificada pela experiência da cultura.
Joana de Vilhena Novaes. 2006
Corpo objeto, corpo suporte, corpo sujeito, corpo cultura, corpo mídia. Tudo é corpo. O corpo está onipresente na mídia e podemos encontrá-lo de várias maneiras. O discurso dos meios de comunicação e das artes, em geral, gira em torno do corpo. A obsessão com o culto ao corpo, a multiplicação de artigos sobre dietas, regimes e atividades que modelam o corpo, a disseminação das clínicas estéticas e de cirurgia plástica, de lipoaspiração, de implante de silicone nos seios, de botox para atenuar as marcas de expressão na face, levam ao excessivo consumo do corpo na mídia. O corpo passou a ser um valor cultural que integra o indivíduo a um grupo, e ao mesmo tempo o destaca dos demais. Ter um corpo “perfeito”, “bem delineado”, “em boa forma” consagra o homem e representa a vitória sobre a natureza, o domínio além do seu corpo, o controle do seu próprio destino. A gordura, a flacidez, o sedentarismo simbolizam a indisciplina, o descaso. As pessoas são culpadas pelo “fracasso” do próprio corpo. Nesta cultura, que classifica as pessoas a partir da forma física, a gordura passa a ser considerada uma doença, pois é preciso construir um corpo firme, bem trabalhado, ultramedido. Privilegia-se a aparência como um fator fundamental para o reconhecimento social do indivíduo.
Cada indivíduo é responsável por sua beleza e juventude. Com tantas obrigações e opções para o embelezamento do corpo hoje, só é feio, quem quer. Só envelhece quem não se cuida. Só é gordo quem é preguiçoso. “Não existem indivíduos gordos e feios, apenas indivíduos preguiçosos, poderia ser o slogan deste mercado do corpo” (Goldenberg, 2002:5). Segundo Wilton Garcia em seu livro Corpo, Mídia e Representação (2005:18), a mídia coloca o consumo como motivação que eleva o desenvolvimento da sociedade. A publicidade legitima a utilização do visual corpóreo e de sua versatilidade representacional para suplementar a informação e a venda do produto. O tema corpo na sociedade atual mistura-se ao universo do consumo e movimenta o mercado, propiciando a venda de inúmeros produtos. A espetacularização que constitui a mídia contemporânea elimina a distância entre o produto publicitário e o corpo como dispositivo/ suporte de mensagens.
A mídia coloca o consumo como motivação que eleva o desenvolvimento da sociedade e a publicidade, que antes formulava suas mensagens exaltando as qualidades do produto, passou a incentivar o consumo como estímulo de vida, produzindo um indivíduo eternamente insatisfeito com a sua forma física. (Lasch 1983). Jean Baudrillard, em seu livro A Razão do Consumo também discute o assunto (s/d:136): Na panóplia do consumo, o mais belo, precioso e resplandecente de todos os objetos – ainda mais carregado de conotações que o automóvel que, no entanto, os resume a todos é o CORPO. A sua “redescoberta”, após um milênio de puritanismo, sob o signo da libertação física e sexual, a sua onipresença (em especial do corpo feminino...) na publicidade, na moda e na cultura das massas – o culto higiênico, dietético e terapêutico com que se rodeia, a obsessão pela juventude, elegância, virilidade/ feminilidade, cuidados, regimes, práticas sacrificiais que com ele se conectam, o Mito do Prazer que o circunda – tudo hoje testemunha que o corpo se tornou objeto de salvação. Substitui literalmente a alma, nesta função moral e ideológica.
E Baudrillard complementa (140-141): A beleza tornou-se para a mulher imperativo absoluto e religioso. Ser bela deixou de ser efeito da natureza e suplemento das qualidades morais. Constitui a qualidade fundamental e imperativa de todas as que cuidam do rosto e da linha como sua alma. Revela-se como signo de eleição ao nível do corpo – no industrial, é a intuição adequada de todas as virtualidades do mercado. Signo, portanto, de eleição e salvação: a ética protestante não anda longe. A verdade é que a beleza constitui um imperativo tão absoluto pelo simples fato de ser uma forma do capital... A beleza reduz-se então a simples material de signos que se intercambiam. Funciona como valor/ signo. Pode, portanto, dizer-se que o imperativo da beleza é uma das modalidades do imperativo funcional – o que vale tanto para os objetos como para as mulheres (e os homens) – sendo toda a mulher que se tornou esteta homóloga do designer ou do estilista na empresa.
Os anúncios publicitários apresentam o discurso de “sucesso” das pessoas que mantêm o corpo belo e passam a fazer parte da memória afetiva do consumidor. Mais do que mensagens apelativas, carregadas de desejo, o corpo perfeito aparece como algo fundamental para uma nova vida, “leve”, “bem acabada” e “feliz”. São significados facilmente reconhecidos e marcantes que fazem parte do repertório coletivo. Afinal a mídia impressa, principalmente as revistas femininas e algumas de interesse geral e também a televisão, em novelas e em programas de entrevistas diários apresentam “celebridades”, com seus corpos deslumbrantes, realizadas, felizes, “bem sucedidas”. ..., por meio de um diálogo incessante entre o que vêem e o que são, os indivíduos insatisfeitos com sua aparência (particularmente as mulheres) são cordialmente convidados a considerar seu corpo defeituoso. Mesmo gozando de perfeita saúde, seu corpo não é perfeito e “deve ser corrigido” por numerosos rituais de autotransformação, sempre seguindo os conselhos das imagens-normas veiculadas pela mídia. (...) Elas constituem o esteriótipo ideal da aparência física em uma cultura de massa ao banalizar a noção de metamorfose, de uma transformação corporal normal, de uma simples manutenção do corpo: “Mude seu corpo, mude sua vida” ou “Você pode ter um corpo perfeito” (Malysse 2002:92).
Não é mais um corpo natural, traz (re)significações, (re)transformações, (re) decodificações. Tomemos como exemplo a publicidade referente a implantes, próteses e correções. A cirurgia plástica, de serviço de elite, acessível somente a celebridades e às pessoas pertencentes a classe A, passou a popular. Há informações a respeito do valor das cirurgias ou de formas de pagamento em várias peças publicitárias, sites e até faixas de rua, cujo parcelamento e plano de estética sem carência indicam a popularização dos tratamentos e operações para esculpir o corpo. Há preços e formas de pagamento para todos os bolsos: “Condições facilitadas de pagamento”; “planos de cirurgia sem carência”; “custos acessíveis”; “planos facilitados em até 12 vezes fixas”; promoções de lançamento”, são expressões comuns nestes materiais.
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 2005. GOLDENBERG, Mirian (org.) Nu e Vestido. Dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. São Paulo: Editora Record, 2002.

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