Em pleno seculo XXI ... O papel feminino ainda é insignificante
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Mulheres vivem à sombra das tradições tribais
Sete anos após a invasão dos EUA, supremacia dos homens continua intocada e papel feminino é marginal
Adriana Carranca, CABUL
Sete anos após a invasão dos EUA, supremacia dos homens continua intocada e papel feminino é marginal
Adriana Carranca, CABUL
O Bazar Mandavi, maior centro comercial de Cabul, tem uma ala para fabricantes de burcas - uma centena deles. Penduradas lado a lado, no mesmo tom de azul, parecem todas iguais. Shahpoor Zaheri, de 41 anos, mostra diferenças no bordado e no tecido. Ele vende 42 burcas por dia. No oitavo ano sem o Taleban, a maioria das afegãs ainda se esconde sob o manto, símbolo da opressão feminina. Num Afeganistão rural e governado por códigos de conduta tribais, é a tradição e não a religião que faz do país o pior do mundo para se nascer mulher. Embora já possam trabalhar, sair sem burca ou um mahram (homem da família), regras dos taleban, a supremacia masculina permanece imutável na sociedade afegã. O pai é o chefe de família e, na ausência dele, o filho mais velho, mesmo criança. As mulheres da casa têm de obedecê-lo e é ele quem fica com a herança. As mulheres não podem ter propriedades em seu nome. Os meninos devem cuidar dos parentes até o fim da vida e, portanto, representam um investimento de longo prazo, enquanto as mulheres dão gastos. Os pais leiloam meninas e as entregam a quem der o lance mais alto - entre US$ 2 mil até US$ 15 mil. Elas são commodities trocadas em disputas tribais num ritual chamado "buth". Esses são costumes das tribos pashtun, etnia predominante no Afeganistão. O pashtunwali, código de honra, não está escrito, mas é repetido entre gerações desde o período pré-islâmico. O clérigo Ahmad Malawi, do Conselho Ulema, diz que os tribais acreditam que as tradições são islâmicas. "Eles olham para a modernidade como algo contra a religião, mas isso é uma interpretação fraca do Islã."Shukria Barakzai é um exemplo entre avanço e tradição. Deputada, ativista e editora da revista feminina Aina-E-Zan, ela vive em casa um casamento arranjado. O marido tem uma segunda esposa porque, depois de gerar três meninas, ela "foi incapaz de lhe dar um filho homem" e se recusou a engravidar de novo. Perdera gêmeos prematuros na guerra civil (1992-1996) porque o hospital não tinha eletricidade para a incubadora. Uma afegã morre a cada 27 minutos por problemas relacionados à gravidez. Em 100 mil partos, 1,6 mil mulheres não vivem para ver seus bebês, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). É a segunda maior taxa de mortalidade materna no mundo, atrás de Serra Leoa. As afegãs casam-se jovens demais, aos 14 anos, e seu corpo não está preparado para a gravidez. Se chegam ao parto, 135 em cada mil perdem o bebê - 75% delas por falta de cuidados básicos. Os partos (81%) são feitos em casa. Cada afegã tem sete gestações e perde dois filhos, em média. Muitos bebês têm anomalias porque as mães são desnutridas, se medicam e se casam com parentes. "Embora a situação seja agravada pela falta de médicos nas áreas rurais e dificuldade de acesso, a tradição é ainda o pior inimigo das afegãs", diz o médico pashtun Arif Oryakhail, formado pela Universidade de Cabul, com PhD na Itália. Arif deixou o Afeganistão em 1983 e, ao voltar, em 2006, a mortalidade materna e infantil recuara pouco ou nada, embora o país vivesse uma democracia e tivesse mais recursos. "Nada mudou para as mulheres", diz. MORTES MATERNASNo Esteqlal, maior hospital público de Cabul, a maioria dos 45 partos diários ocorre à noite. Por que? "Porque as afegãs não saem sem um homem da família. Elas esperam que cheguem do trabalho para trazê-las à maternidade", diz. "Aí já é tarde." Entre as mortes maternas, 38% são por hemorragia e 26% por obstrução do útero e infecções. Sharifa, de 20 anos, perdeu tanto sangue que desmaiou antes que duas vizinhas decidissem levá-la ao hospital. A médica Nader Akbary tratou Sharifa sem autorização e doou o próprio sangue para a paciente, que sobreviveu, embora tenha perdido o bebê. "Esses homens preferem enterrar a mulher a trazê-la ao hospital", diz Nader. O primeiro centro para mulheres queimadas de Cabul fica no Esteklal. De 522 pacientes atendidas em 2008, 30% haviam tentado suicídio por autoimolação, outra tradição perversa. Lailoma, de 16 anos, casada há três, chegou com 60% do corpo queimado. "Elas só querem morrer. Um dia, jogam diesel no corpo e acendem um fósforo. Só consigo salvar 3%", diz Arif.A médica Massuda Jalal, acredita que o Alcorão pode ajudar as afegãs a vencer o tradicionalismo, "pois permite que homens e mulheres estudem". Ainda assim, 86% das afegãs são analfabetas. Entre os 237 alunos da escola pública Saward Hayte Mawand, no centro, só 54 são meninas. A escola feminina Gozargah tem 4.280 alunas, mas espaço para 10% delas. As demais estudam em tendas no pátio. Para a diretora Mahbooba Khaja Zada, de 30 anos, é um avanço. No regime Taleban, ela educou 180 meninas na sala de casa. "Três ou quatro vezes, eles vieram armados. Mas nós escondíamos os livros sob a mesa e colocávamos o Alcorão." Apesar de ser filha de um religioso, Fatima Gailani, presidente da Sociedade Crescente Vermelho, é divorciada e casada pela segunda vez com um ministro. Ela fez parte da Loya Jirga, assembleia de líderes tribais consultada para a nova Constituição. "Eu dizia: vocês têm de escolher entre o Alcorão e a tradição, não podem ter ambos. Minha mãe era moderna e usava a burca porque é tradição. Mas, não deve ser obrigação." Shahpoor Zaheri, o vendedor de burcas, diz que na era Taleban vendia 30% mais. Ainda assim, quer os radicais longe. Desde que suas duas mulheres, de 27 e 31 anos, com quem tem 15 filhos, continuem sob a burca.CANDIDATAS EM RISCO Fawzia Koofi, Massuda e Shukria são pré-candidatas à eleição presidencial de 20 de agosto. Elas já sofreram atentados e têm guarda-costas. Embora tenham conquistado um lugar na política, com 25% do Parlamento garantido pela Constituição, elas têm um longo caminho. Entre os 57 ministros de Karzai, há uma mulher - a ministra de Relações com as Mulheres. Elas são 9% dos servidores públicos, embora a lei assegure 30%. O Judiciário ainda é reduto dos homens. E 80% dos assuntos referentes às mulheres são decididos em shuras locais - tribunais conduzidos por mulás.
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