Nem sempre a maneira de tratar os corpos foi a mesma ao longo da história. O ideal de beleza sofreu suas transformações e o modo de encarar a gordura, também. Em seu livro Corpos de Passagem, Denise Bernuzzi de Sant’anna apresenta o dilema dos gordos na história (1995:20-21): Foram inúmeras as sociedades que acolheram com alegria a presença dos gordos e desconfiaram da magreza, como se esta expressasse um déficit intolerável para com o mundo. Magreza lembrava doença e o peso do corpo não parecia um pesar. Entretanto no decorrer deste século, os gordos precisaram fazer um esforço para emagrecer que lhes pareceu bem mais pesado do que o seu próprio corpo. Ou então foram chamados a dotar sua gordura de alguma utilidade pública, transformando-a, por exemplo, em capacidade de trabalho duro, ou em travesseiro acolhedor das lágrimas alheias... Como se os gordos precisassem compensar o peso do próprio corpo, sendo fiéis produtores de alegria e consolo. ...Há quem diga: um colo magro não é um colo; o abraço de um magro não aquece, nem conforta. Em outra passagem, Sant’anna nos relata a rejeição aos gordos e a admiração pelos magros : ...Apesar das agruras do magro, ele não contradiz o fascínio atual pela velocidade e pela transparência. Em algumas culturas pouco dadas à apreciação da gordura, a magreza torna-se solidária ao antigo imaginário da limpeza, constituído pelo fascínio diante da transparência e do repúdio perante a acumulação Nelas, o corpo magro evoca uma economia de tempo para quem aprecia: olha-se mais rápido um magro do que um gordo, diria um desses padres ou cientistas fascinados pela higiene.... Contemplar um gordo exige um tempo maior... Os corpos grandes lhe sugerem um abafamento de sons, a paralisia do olhar, o estancamento da agitação infantil (1995:22-23). O corpo passou a ser um valor cultural que integra o indivíduo a um grupo, e ao mesmo tempo o destaca dos demais. Ter um corpo “perfeito”, “bem delineado”, “em boa forma” consagra o homem e representa a vitória sobre a natureza, o domínio além do seu corpo, o controle do seu próprio destino. A gordura, a flacidez, o sedentarismo simbolizam a indisciplina, o descaso. As pessoas são culpadas pelo “fracasso” do próprio corpo. Nesta cultura, que classifica as pessoas a partir da forma física, a gordura passa a ser considerada uma doença, pois é preciso construir um corpo firme, bem trabalhado, ultramedido. Mais precisamente quanto ao corpo, Baudrillard afirma que temos uma sociedade doente: A ideologia de uma sociedade que se ocupa continuamente do indivíduo culmina na ideologia da sociedade que trata a pessoa como doente virtual. De fato, torna-se necessário acreditar que o grande corpo social se encontra muito doente e que os cidadãos consumidores são frágeis, sempre à beira do desfalecimento e do desequilíbrio para que em toda a parte, junto dos profissionais, nas revistas e nos moralistas analistas, se empregue o seguinte discurso “terapêutico (2005:177).“ A moda passou não só a ditar o que vestir, mas também que corpo exibir. Cada vez mais o discurso midiático da indústria da beleza ganha espaço na mídia. Não se encontra mais um padrão típico de mulher local, regional, ao folhear uma revista ou ao zappear a televisão. Nota-se um padrão único de mulher, com mediadas, cabelos, roupas e acessórios semelhantes, mundialmente .
Joana de Vilhena Novaes, em seu livro O Intolerável peso da Feiúra, resgata as idéias de Baudrillard (1990), que sugere um sujeito desvitalizado, sem referências, sem causa. O sujeito da Sociedade-Espetáculo, cuja a ambição é receber o reconhecimento social e ter lugar de visibilidade na cena social e analisa o que a disciplinarização do corpo representa: ..., o corpo ideal não diz respeito somente ao controle do peso e das medidas, revela também funções psicológicas e morais. A feiúra caracteriza, a um só tempo, uma ruptura estética e psíquica, da qual decorre a perda da auto-estima. Vale lembrar que a dimensão ética é também interrompida, pois se deixar feia é interpretado como má conduta pessoal, podendo resultar na exclusão do grupo social. Portanto, mudar seu corpo é mudar sua vida, e as intervenções estéticas decorrentes desse processo traduzem-se em gratificações sociais. (2006:73) Outra autora que coloca claramente a questão sobre o corpo e sua aceitação é Maria Rita Kehl. A autora fala sobre o corpo-imagem que o individuo apresenta ao espelho da sociedade e que vai determinar a sua felicidade, não por despertar o desejo ou o amor de alguém, mas por construir o objeto privilegiado do seu amor-próprio; a tão propalada auto-estima, a que se reduziram todas as questões subjetivas na cultura do narcisismo. (2004:175). E argumenta que a possibilidade de inventar um corpo ideal, com o auxílio de intervenções cirúrgicas, clínicas de estéticas e exercícios físicos, confunde-se com a construção de um destino, de um nome, de uma obra. É a dominação da natureza pelo homem.
Uma campanha italiana, veiculada na última semana de setembro de 2007, durante a Semana da Moda em Milão, apresenta uma modelo nua, curvada, que pesa apenas 31 quilos, sob os dizeres “Não Anorexia”. Foi criada pelo fotógrafo Oliviero Toscani, conhecido pelas polêmicas campanhas da Benetton nos anos 80 e 90, que usavam fotos abordando temas como Aids, guerra e racismo. Segundo Toscani: “Acho que isso pode ser o começo de um novo ciclo de publicidade, vamos ver o que acontece. Não são tantos clientes que possuem a coragem de fazer uma campanha como esta... Acho que se pode fazer algo interessante e tirar vantagens econômicas ao mesmo tempo”. A luta contra a anorexia é uma das prioridades do governo de Romano Prodi. Hoje, cerca de 2 milhões de italianos sofrem de anorexia e bulemia. A campanha contou com o aval do Ministério da Saúde.O principal jornal da Itália – Corriere della Sera – se recusou a estampar a foto. Porém após uma semana de veiculação nas ruas, foi retirada, com o argumento que a mesma agredia sociedade. Na França, os outdoors foram vetados. A justificativa era de que a imagem era imoral. A estilista Rafaella Curiel, participante da semana de moda em Roma, dispensou quinze modelos por excesso de magrezas. Ela justificou que trabalha com o tamanho 42 e recebeu modelos de tamanho de 36 e 38.
Aproveitando a semana do SPFW vale darmos continuidade ao assunto, registrando algumas noticias publicadas na semana passada.
fonte http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,
MUL962925-7084,00-DOIS+ANOS+APOS+MORTE+DE+MODELO+CENTRO+ANTIANOREXIA+DA+SPFW+NAO+SAIU+DO+PAPE.html

Dois anos após morte de modelo, centro antianorexia da SPFW não saiu do papel. Projeto previa construção de centro de reabilitação em parceria com a USP. São Paulo Fashion Week afirma que falta de verba emperrou a iniciativa.

Mais de dois anos após a morte por anorexia da modelo Ana Carolina Reston, o projeto de um centro contra distúrbios alimentares planejado entre a São Paulo Fashion Week e a Universidade de São Paulo ainda não saiu do papel. O psiquiatra Táki Cordás, responsável pelo ambulatório do Hospital das Clínicas da USP, reclama de descaso por parte da empresa responsável pelo evento. A organização da SPFW responde que espera apoio financeiro para transformar o projeto em realidade.

Ana Carolina morreu de infecção generalizada em novembro de 2006 aos 21 anos de idade. A modelo de 1,72 m de altura se recusava a comer, apesar de estar com apenas 40 quilos. “Quando a modelo morreu, todo mundo foi nos jornais para falar. As agências saíram dizendo que mudariam as regras, os eventos prometeram grandes iniciativas”, lembrou Cordás em entrevista ao G1 dada antes da última edição da São Paulo Fashion Week, em junho de 2008. “Esses programas de prevenção anunciados na época só serviram para fazer uma cortina de fumaça após a morte da modelo. Hoje, as meninas continuam morrendo”, afirmou o médico na ocasião. Nesta semana,
quando ocorre a edição outono-inverno 2009 do maior evento de moda do país , o G1 voltou a conversar com o psiquiatra, que informou que as coisas continuam na mesma. “Nunca mais [fui procurado]”, afirmou Cordás.O médico é quem responde pelo maior centro de tratamento de transtornos alimentares da América Latina – o Ambulim (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares). No início de 2007, logo após a morte de Ana Carolina, ele foi procurado pela organização da São Paulo Fashion Week para ajudar a montar um centro de recuperação de pacientes com anorexia e bulimia. “É vergonhoso. Eu me dediquei a esse projeto, disponibilizei meus profissionais, montamos tudo e não deu em nada. Nem satisfação. Ficou por isso mesmo”, reclama o médico.

*****VALE DESTACAR O LIVRO DO MÉDICO PUBLICADO EM 2006 - WEINBERG, Cybelle e CORDÁS Táki A. Do Altar às Passarelas. Da anorexia santa à anorexia nervosa. São Paulo: Annablume******
Dando continuidade ao assunto sobre anti anorexia e o G1 - do SPFW , eis a matéria publicada no OESP , DO DR. TARKIS CORDÁS
"Palestras pontuais e atestados médicos não resolvem distúrbios alimentares'
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,palestras-pontuais-e-atestados-medicos-nao-resolvem-disturbios-alimentares,312514,0.htm
Carta aberta ao governador de São Paulo, José Serra
O Estado de S.Paulo
Táki Athanássios CordásCOORDENADOR DO PROGRAMA DE TRANSTORNOS ALIMENTARES DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS - FMUSP
Ao contrário de epitáfios que dizem "não morreu em vão", a morte de Ana Carolina Reston e de outras meninas com anorexia nervosa, a não ser para as famílias, está relegada ao pó do sótão. O Instituto de Psiquiatria do HC possui o maior centro e a única enfermaria especializada da América Latina para o tratamento desses quadros. Quando da morte de Ana (em novembro de 2006) e da momentânea comoção nacional que causou, fomos convidados pela São Paulo Fashion Week a elaborar um projeto - pioneiro no Brasil - para o acompanhamento e prevenção dessas doenças. Não acredito em bom-mocismo. Isso apenas ocorreu porque nós, a Associação Brasileira de Psiquiatria e outros centros especializados fomos a público exigindo que a indústria da moda e as agências de modelo tomassem providências para proteger as adolescentes que querem seguir nessa carreira. Sabemos que a questão da moda é um dos fatores determinantes da doença, não o único, mas todas as pesquisas mostram que esta é uma população de elevado risco. Nossa equipe multidisciplinar elaborou um extenso programa de atendimento e apoio familiar. Tempo e dedicação foram colocados no projeto. Nunca mais fomos procurados pela SPFW. Palestras pontuais e atestados médicos não resolvem uma questão de tamanha complexidade. Senhor governador, a exemplo de políticos de outros países, como a Espanha e a Itália, sugiro que o senhor se engaje em propostas que proíbam modelos abaixo do peso recomendado pela Organização Mundial da Saúde de continuarem expostas a esse grave risco. "


O QUE INTERESSA É DARMOS CONTINUIDADE AO ASSUNTO E QUE ELE NÃO CAI NO ESQUECIMENTO. NÃO PODEMOS TER AS NOSSAS MULHERES MORRENDO DE FOME. NÃO ESTAMOS NA IDADE MÉDIA. ONDE AS PESSOAS VIVIAM SOBRE AS REGRAS E NORMAS DA IGREJA OU DEO SEU SR. FEUDAL. ISTO É: A MODA, A MÍDIA E A PUBLICIDADE NÃO PODE DITAR AS NOSSAS REGRAS DE COMPORTAMENTO E PRINCIPALEMNTE MEDIDAS.


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