CORPO FEMININO: CONSTRUÇÃO NA MIDIA ?
TEXTO DE AUTORIA:
Denise
Castilhos de Araujo
(Brasil)
Doutora em Comunicação Social
Grupo de Estudos Comunicação e Cultura
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas
Centro Universitário
Feevale
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Corpo feminino: construção da mídia? |
Introdução
Este texto apresenta alguns
resultados do projeto de pesquisa intitulado “Processos Midiáticos: Gênero e
Cultura”. A pesquisa se constituiu de três etapas, o levantamento do referencial
teórico, a coleta e análise de anúncios publicitários de calçados femininos; a
organização de grupos focais com mulheres a fim de identificar suas opiniões a
respeito dos textos selecionados. De posse desses resultados, pôde-se
identificar a imagem feminina que as campanhas publicitárias veiculam, bem como
verificar as opiniões das mulheres entrevistadas. Discutindo, assim, o uso de
anúncios publicitários como manuais estéticos contemporâneos.
Corpo feminino
O corpo feminino tem sido um dos
produtos mais oferecidos pela publicidade, e com grande sucesso. E esse corpo
vem recoberto de uma série de exigências que perpassam pela estética e pela
moda, aproximando-se daquilo que é considerado o ideal do grupo, inclusive
expondo modificações culturais das sociedades.
Percebe-se que o corpo feminino,
muito mais que o masculino, tem evidenciado as evoluções pelas quais as
sociedades têm passado, pois é nele que se percebe, com clareza, através de sua
leitura, tais modificações.
De acordo com Peruzzolo
(1998):
Quando o indivíduo olha um corpo através dos sistemas de circulação dos sentidos no grupo cultural, ele vai interpretar esse objeto ou evento como um “corpo” (humano) e não com um amontoado de linhas, formas, pedaços, cores, cheiros, etc, como se não fosse um caos de informações. Um “corpo” é uma construção social e cultural, cuja representação circula no grupo, investida duma multiplicidade de sentidos. Esses sentidos por vezes reafirmam, por outras se ampliam ou remodelam e por, outras ainda, enxugam ou, mesmo, desaparecem. Mas de qualquer forma, as representações se formam de acordo com o desenvolvimento humano num dado contexto sócio- histórico.(Peruzzolo, 1998: 86)
A percepção da existência do
corpo da mulher ocorreu quando ela saiu da obscuridade para o visível, criando
uma série de fatos que até então não haviam acontecido, pois as mulheres
detinham-se ao espaço de suas casas, ao privado. E, com essa saída de casa,
viu-se algo de interessante, o corpo feminino foi desvelado, desejado e, muitas
vezes, utilizado como objeto nos veículos de comunicação, para vender quaisquer
produtos, apontando, necessariamente, para um padrão estético o qual é
recomendável que seja seguido pelos indivíduos.
É importante mencionar que, nesse
processo, os indivíduos, e, principalmente a mulher, desejam seguir os padrões
estéticos ditados na sociedade, seguindo normas impostas, as quais nem sempre
são fáceis de serem alcançadas, pois exigem imenso esforço por parte do
indivíduo a fim de reproduzi-las.
Considerando-se a presença dessas
orientações, ao longo das décadas, pode-se realizar uma breve retrospectiva
histórica, considerando-se, por exemplo, a mulher da década de 30, a qual
deveria ser magra, bronzeada e esportiva. O visual sofisticado de muitas atrizes
foi imitado por outras mulheres, como o caso de Greta Garbo, a qual possuía
sobrancelhas e pálpebras marcadas com lápis e pó facial bem claro. A cintura era
bem marcada, e os sapatos deveriam ser de salto alto, outro acessório usado
freqüentemente eram as luvas, as peles e muitas jóias.
Na década de 50, o sapato de
salto-agulha foi muito utilizado pelas mulheres, além do salto-choque, encurvado
para dentro, além do bico chato e quadrado, entre muitos outros. Com esses
exemplos, vê-se que a mulher segue regras estéticas há muito tempo.
A partir da década de 60 as
mulheres brigaram por maior independência na sociedade, no entanto, ao invés
dela ver-se livre de regras sociais, e comportamentais, o que parece ter
acontecido é, na verdade, outra forma de aprisionamento. Anteriormente, a
maioria das mulheres deveriam prestar contas ao pai, e, após o casamento, ao
marido, todavia, depois que seu corpo foi exposto, a cobrança passou a ser muito
maior, porque ela deveria prestar contas, também, à sociedade, responsável pela
elaboração/manutenção dessas orientações.
A excessiva preocupação com o
corpo se intensificou, principalmente, a partir da década de 80. E a procura por
um corpo perfeito iniciou-se com preocupação em manter rituais saudáveis como a
boa alimentação, a prática de exercícios, uma vez que o corpo não mais foi
visto, simplesmente, sob a perspectiva da Biologia, das Ciências Naturais, ou
seja, um organismo que cumpre uma série de funções orgânicas. O surpreendente é
que a atenção maior, muitas vezes, é dada à possibilidade do corpo servir como
precioso veículo para a manifestação de uma série de preocupações e
características e reflexos sociais das épocas.
E, hoje, ainda que se busque a
aceitação das diferenças, conforme mencionado por Alves e Pitanguy (1991), o que
se percebe é a reprodução de certos padrões que são sugeridos às mulheres. E
esses padrões referem-se, principalmente, à maneira de se comportar, de se
vestir, insinuando, inclusive, a forma que o corpo feminino deve ter. A
propagação destes padrões desejados/sugeridos pelos grupos, atualmente, é
realizado, muitas vezes, pela publicidade, que se coloca como um canal poderoso
que chega aos grupos de maneira muito eficiente, gerando, algumas vezes,
mudanças de comportamento.
Então:
É importante ter em mente que a figuração do corpo humano como dispositivo de produção de sentido, na mídia e fora dela, não é algo isolado nem no tempo nem no espaço e não está aí sequer por vontade expressa de ninguém nominável. Como produto cultural do tempo das mídias, o fenômeno está sujeito ao jogo das forças inonimáveis dos processos sócio-históricos que constroem a cultura e possibilitam a sua integração nela, fazendo a sua vivência.( Peruzzolo, 1998: 12)
E, segundo Del Priore (2000), a
banalização da beleza fez com que a maioria da população feminina consumisse uma
imagem que, para grande parte da população brasileira é um ideal difícil de ser
alcançado. Uma vez que a publicidade, além de vender o produto, vende também,
simbolicamente, valores e imagens que os receptores passam a desejar.
Conforme Kellner:
(...) indica que a propaganda está tão preocupada em vender estilos de vida e identidades socialmente desejáveis, associadas a seus produtos, quanto em vender o próprio produto – ou melhor, os publicitários utilizam constructos simbólicos com os quais o consumidor é convidado a identificar-se para tentar induzi-lo a usar o produto anunciado. (Kellner, 2001: 324)
E o uso, como sustentação, do
corpo humano para venda de produtos/valores, sugere a utilização de certos bens
de consumo, como maquiagem, roupas, cremes, alimentos, entre outros produtos.
Entretanto há a intensa presença de anúncios publicitários que se valem da
utilização de corpos simplesmente como alegoria para o produto vendido, não
existindo nenhuma relação entre o objeto vendido e o corpo exibido.
O corpo, considerado como texto,
apresenta uma série de significações, e pode representar a cultura dos grupos,
reconhecida a partir das características desses corpos. E, a partir da alteração
das relações sociais e culturais, os corpos também são alteradas, refletindo
esses momentos, segundo Baitello Jr.
A publicidade
O reconhecimento da necessidade
de propaganda surgiu partir da existência de uma população com recursos
considerados acima do nível de subsistência, a qual poderia adquirir produtos
considerados desnecessários. É somente no século XVIII que se consolida, na
Grã-Bretanha, esta população.
Para Vestergaard/Schroder (2000),
no século XIX, com o desenvolvimento da tecnologia e das técnicas de
produção de massa, surgiu a superprodução de mercadorias, mas sua demanda ainda
era pequena.
A expansão da publicidade deu-se
no século XX, principalmente com o advento da televisão, o que possibilitou aos
consumidores maior contato com os produtos oferecidos pelas empresas. Além
disso, outro importante fator para o crescimento da publicidade na Europa dos
anos 50 do século passado, foi o grande desenvolvimento econômico pós-guerra,
gerando, assim, consumidores com potencial de compra.
Quando se discute a publicidade,
algumas idéias logo surgem, e entre elas a de sedução, e a de manipulação, ou
seja, a publicidade como um eficiente recurso para, após a identificação de
prováveis necessidades, ou desejos dos indivíduos, servir como uma ferramenta
para influenciar seus receptores a adquirirem produtos, necessitando ou não
deles.
(...) a mensagem publicitária cria e exibe um mundo perfeito e ideal, verdadeira ilha da deusa Calipso, que acolheu Ulisses em sua Odisséia – sem guerras, fome, deterioração ou subdesenvolvimento. (Carvalho, 1996: 11).
O mundo sugerido pelos anúncios
publicitários, normalmente, apresenta um lugar diferente da realidade vivenciada
pelos receptores desses anúncios, pois que está presente na publicidade, o
encanto, e, talvez, até mesmo um mundo de faz-de-conta, para o qual o receptor é
convidado a participar, através da aceitação ou compra do produto.
Diante da perfeição desse mundo,
é impossível que o indivíduo não sinta motivação ao consumo de produtos
oferecidos nas propagandas, pois, com eles, será possível, também, adquirir
certos bens simbólicos que estejam agregados àqueles bens. Assim sendo, a
publicidade não quer vender somente a mercadoria, mas quer, também,
comercializar conceitos de vida que serão adquiridos pelo comprador, a partir do
momento em que ele se dispuser a gastar o valor necessário para adquirir o bem
em questão.
Organizada de forma diferente das demais mensagens, a publicidade impõe, nas linhas e entrelinhas, valores, mitos, ideais e outras elaborações simbólicas, utilizando os recursos próprios da língua que lhe serve de veículo, sejam eles fonéticos, léxico-semânticos ou morfossintáticos (Carvalho, 1996: 13).
A publicidade, então, trabalha
com os sonhos, ela, apesar de se constituir a partir de uma realidade, um objeto
ou de algo a ser vendido, segue para a esfera do desejo, do onírico, escapando
dos limites da realidade e construindo um mundo próprio, mas que irá ao encontro
dos desejos do receptor. Sugere, então, ao receptor, a possibilidade de
satisfação dos desejos de sua vida diária. Acontece que essa fuga da realidade
não possibilita ao receptor sua liberdade, pelo contrário, insinua o
aprisionamento, pois é um recurso para o conformismo com a realidade (Severiano,
2001).
E, algumas vezes, o receptor tem
a consciência da impossibilidade do alcance dessa ideal sonhado, mas acredita
que num “futuro” poderá encontrar o que busca (Vestergaard/Schroder, 2000), e aí
se estabelece uma procura constante, podendo, até mesmo, ser chamada de eterna,
porque dificilmente alcançada.
Ao mesmo tempo em que a
publicidade possibilita a construção de sonhos, de fantasias, ela tem como
objetivo a venda de uma imagem, a qual virá concretizada através de um produto
ou serviço. A busca por essa fantasia, por essa imagem de irrealidade, mas
extremamente sedutora, é freqüente, fazendo com que o receptor esteja
constantemente vinculado a essas propagandas, porque o ideal que ele almeja
dificilmente será alcançado, em virtude dos truques utilizados em anúncios
publicitários (photoshop, dublês, maquiagem...)
Esses aconselhamentos tornam-se
algozes que exigem a assimilação de certas características, as quais
tornar-se-ão o alicerce para a elaboração de identidades, que variarão de acordo
com o grupo de indivíduos. Então, o indivíduo deixa de ser somente o seu grupo,
mas passa a ser, também, os conselhos, dicas, definições e tudo o mais que a
publicidade insinua. O grupo passa a assumir a identidade sugerida pelo anúncio,
admitindo, algumas vezes, características, gostos, idéias que nem passavam por
sua cabeça, mas que foram incutidos através da publicidade que o alcança.
O anúncio propõe, portanto, uma troca de identidades ao destinatário entre a sua identidade enquanto“ser no mundo” e a identidade projectada de um destinatário, “ser do discurso” Ao propor esta troca, o anúncio diz-nos quem somos e como somos, ou seja, fixa os contornos da nossa própria identidade(...). (Pinto, 1997: 31).
E, através dos textos e das
imagens postas nas publicidades, somos levamos a agirmos, pensarmos e, até
mesmo, sermos de uma certa maneira, de acordo com o que é sugerido na
propaganda. Então, o que inocentemente nos parece uma possibilidade de escolha,
de ação; na verdade é uma orientação ao modelo que deve ser seguido, ou às
atitudes que devem ser tomadas em determinado momento. Pinto (1997) afirma que,
muitas vezes, os produtos passam de criaturas para criadores; isso quer dizer
que, na verdade, o produto é que criará em seu consumidor certas qualidades, ou
melhor, o indivíduo é orientado pelos produtos, e não o contrário.
Pinto sugere, inclusive, que a
publicidade poderia vender, também, as identidades dos indivíduos, pois, deve-se
considerar a presença do espelhamento nas publicidades.
Todo esse movimento de aceitação
dos ideais propostos pela publicidade, tem sido cada vez mais forte, e as
pessoas, na maioria dos casos, não conseguem romper com essa estrutura, porque
exigirá ir “contra a corrente”, ou seja, estar na marginalidade, no limite.
Porque, apesar de trabalhar com a fantasia, o devaneio, o ideal que as pessoas
almejam a publicidade consegue, também, refletir os conceitos que estão
presentes e que pairam sobre as sociedades (Vestergaard/Schroder, 2000).
E é claro que a mulher somente
conseguirá adquirir as características apresentadas nos textos publicitários,
consumindo, não só os produtos, mas também, os aconselhamentos estéticos,
morais, de moda, evidenciados nesses discursos.
As campanhas publicitárias
selecionadas para servir como corpus desta pesquisa apontam para um
“modelo” de corpo que deve ser esguio, saudável, livre de quaisquer tipos de
males comuns às mulheres (celulite, gordura localizada, manchas na pele, etc.),
além disso, ela deve, necessariamente, manter-se jovem e sedutora.
A intenção da formação dos grupos
focais foi a verificação, por parte das mulheres entrevistas, da aceitação ou
não dos padrões estéticos expostos nos anúncios recolhidos. Questionando-se,
também, a resignificação dos aconselhamentos, por parte dos grupos femininos, em
relação ao conteúdo apresentado pela publicidade.
A percepção feminina dos anúncios de
sapatos
Observando as questões
anteriores, bem como análises realizadas de algumas campanhas, optou-se pela
busca da opinião da consumidora em relação ao papel feminino anunciado nas
campanhas de calçado, bem como a visão particular da mulher na
contemporaneidade.
A fim de estabelecer esta conexão
entre análises teóricas e recepção dos anúncios, foram entrevistados três grupos
de mulheres. Cada um dos grupos composto por mulheres da região do Vale do
Sinos1, ou seja, pessoas que poderiam ser interpeladas pela mídia
local, recebendo anúncios das empresas dessa região.
A opção por esta metodologia
ocorreu porque os grupos de foco geram discussão, revelando tanto os
significados presumidos pelas pessoas no tópico de discussão, como a maneira
pela qual elas negociam esses significados. Os grupos de foco geram diversidade
e diferença, dentro ou entre os grupos, e, por isso, revelam de maneira mais
evidente as opiniões dos indivíduos pesquisados.
O universo que fez parte dos
grupos focais, foi composto de mulheres na faixa etária dos 18 aos 50 anos,
economicamente ativas, ou não. Nos anúncios selecionados para apresentar aos
grupos focais, é possível verificar a idéia de aprisionamento, enunciada por
Vestergaard/Schroder(2000), o qual utiliza a metáfora da “camisa-de-força da
feminilidade”, para retratar a forte tendência que a maioria das mulheres seguem
em relação aos padrões estéticos e comportamentais reiteradamente, apresentados
pela mídia.
Os grupos entrevistados apontaram
para a representação de uma mulher requintada nesses textos, requinte
representado pelo figurino e pelo uso de muitas jóias. Outro aspecto percebido
pelas entrevistadas foi um certo “ar de vulgaridade”, expresso em alguns desses
anúncios, mencionando a distância existente entre a mulher anunciada nos textos
publicitários e a mulher real. Além disso, as entrevistadas afirmaram que a
imagem retratada na mídia não é a imagem que elas próprias têm de si, ou seja,
fica aquém de suas expectativas, pois há a presença do estereótipo da mulher
fatal, que por vezes pode ser sofisticada, outras vezes é apelativa, beirando o
banal.
Outro aspecto interessante da
publicidade e que foi discutido com o grupo focal é o padrão estético feminino
atual. Como afirma Del Priore: “É o culto ao corpo na religião do indivíduo em
que cada um é simultaneamente adorador e adorado.(...) Quem não o modela, está
fora, é excluído” (2000, p. 92). Sabe-se que desde o início da Pós-Modernidade,
o corpo assumiu um lugar de destaque, ou seja, deixou de ser simplesmente
invólucro da alma, dos sentimentos. O corpo tornou-se um instrumento precioso
para a auto-afirmação nos grupos sociais, podendo-se mencionar a existência de
um imaginário sobre as formas que tais corpos devam assumir.
As mulheres entrevistadas
percebem essa exigência e reagem a esse modelo, dizendo que o corpo esguio
sugerido pela mídia está longe do corpo feminino brasileiro, assemelhando-se
muito mais ao corpo da mulher européia. E, lembram, também, a exigência de um
corpo perfeito, sem marcas, sem rugas, sem gorduras. Além disso, estas mulheres
têm consciência da mestiçagem que deu origem ao corpo feminino brasileiro, bem
como a ausência de sua representatividade nos anúncios publicitários.
Outro aspecto muito interessante
é o fato de os modelos das campanhas lembrarem um determinado grupo social, a
classe alta, sugerindo que os produtos são produzidos para mulheres de grande
poder aquisitivo, quando, na verdade, sabe-se que tais produtos são vendidos em
diferentes lojas, de diferentes padrões sociais.
E esta percepção, relatada na
fala anterior pode ser associada ao acesso ao poder simbólico, que têm aquelas
pessoas que fazem parte de determinadas classes social, a dominante. Ou seja, a
cultura dominante, através do poder simbólico, legitima as diferenças e as
semelhanças (Bourdieu, 1998).
Então, o que muitas vezes parece
ser um simples anúncio de calçados, é, também, um precioso instrumento para
apontar, reforçar, instituir características físicas, sociais, de classe, de
gênero, que são perceptíveis, sim, pelos públicos receptores. E, muitas vezes,
reproduzidos por esse mesmo público, na tentativa de conectarem-se ao grupo
desejado. Também são, na maioria das vezes, admitidos, pois a mídia impressa
passa, nos dias de hoje, como já mencionado, a exercer a função de “manual de
boas maneiras e mobilidade na sociedade”.
Percebe-se, então, que realmente
há a instauração de padrões estéticos, comportamentais, considerando a aparência
do indivíduo, mesmo que este tenha recursos financeiros, isto não é suficiente,
ele realmente necessita mostrá-lo. É um jogo de aparências que vale muito mais
que a realidade, o qual foi reconhecido e algumas vezes reproduzido pelas
mulheres entrevistadas, de acordo com suas próprias palavras.
É surpreendente perceber que
atualmente a publicidade, pelo menos para este grupo de mulheres, não está
alcançando seu objetivo principal que é persuadir o indivíduo a comprar o
produto. Ou seja, o que ocorre é um grande desencontro entre os produtos
anunciados e os que realmente existem nas lojas, o que faz com que os
consumidores desistam de considerar a publicidade como veículo confiável.
Segundo as entrevistadas, as
campanhas publicitárias deveriam ser repensadas, pois é a mulher, na maior parte
dos lares brasileiros, que realiza as compras, e não só isso, mas é a mulher que
está tendo a tarefa de sustentar o lar, pois já muito grande o número de
mulheres que recebem mais que seus companheiros. Além disso, o grupo de mulheres
economicamente independentes, que espera uma publicidade que as veja como um
grande público disposto a consumir, aumentou muito nos últimos anos.
Essas mulheres entrevistadas têm
consciência de seu poder de compra, e estão esperando por campanhas
publicitárias que as trate com respeito, que levem em consideração que são
mulheres que estão comprando para a casa, mas para si também. As características
femininas desejáveis e mencionadas pelas entrevistadas foram: independente,
batalhadora, determinada, ou seja, a mulher tem consciência de como é, e
gostaria de ver refletidas nas campanhas publicitárias tais características,
despreocupando-se, então, tanto com os padrões físicos.
Considerações finais
Aparentemente, a publicidade
ainda exerce forte influência sobre os públicos consumidores, entretanto o
público entrevistado, as mulheres, têm o poder de compra, que passou da
exclusividade das mãos masculinas para um grande número de mãos femininas. E,
diante de tais mudanças, é necessário que as campanhas modifiquem-se, pois uma
constante na fala das mulheres é que os anúncios parecem ser realizados
especificamente para homens.
São anúncios de cremes com
mulheres exacerbando sensualidade, seus corpos quase nus, e tais corpos apontam
para mulheres fatais, que tem formas perfeitas, corpos construídos para a
sedução, para a satisfação estética de que os vê. Um corpo que decididamente não
retrata o corpo da mulher “comum”. Sabe-se, inclusive, do relato de fotógrafos
sobre o uso de ferramentas como o “photoshop” para corrigir certas imperfeições
dos corpos dos modelos. O que distancia cada vez mais as mulheres reais das
mulheres presentes em anúncios publicitários.
E o produto que passou a ser mais
consumido nas campanhas é o corpo feminino, situação discutida por Baudrillard
(1970), o qual afirmava ser o corpo o mais belo objeto de consumo. Entretanto, é
um consumo que está sendo questionado, considerando as respostas dadas à
pesquisa. Ou seja, a mulher tem consciência de que o corpo está sendo “vendido”,
e muitas delas mostraram que tal formato de publicidade já não funciona mais de
maneira tão eficiente.
A exigência de uma mulher dentro
do padrão estético atualmente veiculado pela mídia, é inaceitável, pois as
mulheres brasileiras sofrem a influência de várias raças, constituindo-se em uma
forte mestiçagem, o que construiu um corpo que de longe se aproxima dos padrões
tão valorizados nas campanhas, que são mulheres altas, com pernas longas e
esguias, extremamente magras, semelhantes a bonecas do tipo Barbie.
A maioria das peças utiliza
estereótipos femininos, como o da mulher fatal, ou da dona-de-casa, os quais,
pode-se perceber que deixa as mulheres pesquisadas insatisfeitas.
A mulher necessita,
obrigatoriamente, ser bela, ser inteligente, ser bem sucedida profissionalmente
e financeiramente, ou seja, aparentar a perfeição desta época, que é vista
através dessas características. E, como conseguir tal feito? As campanhas
publicitárias mostram para essas mulheres que isso é possível, através do uso de
certas roupas, sapatos, produtos para embelezar o corpo, os cabelos, material
para ginástica, enfim, todos os recursos necessários para que a mulher comum se
transforme em “mulher maravilhosa”.
As campanhas de calçado,
atualmente, têm apresentado em suas imagens muito mais os corpos dos modelos que
os produtos a serem vendidos, os sapatos. Observou-se que, principalmente nas
campanhas dos meses de verão, o corpo é o produto a ser vendido, e o sapato é um
adereço para enfeitar o produto que realmente está à venda, a imagem da mulher
atual.
Observou-se, também, que as
campanhas de inverno trouxeram o mesmo elemento orientador das campanhas da
outra estação, ou seja, o corpo feminino em evidência, vendido como produto.
Além disso, certos conceitos também são apresentados como produtos a serem
consumidos pelas compradoras da mercadoria ofertada, conceitos que também são
avidamente consumidos e desejados (beleza, elegância, riqueza, sucesso...).
O corpo vendido sempre é um corpo
que tangencia magreza e altura extremas, perfeição nas formas, na pele, enfim,
um corpo que se tornou o sonho da maioria das mulheres, mas que, por outro lado,
tornou-se, também, o algoz dessas mulheres, porque é praticamente inalcançável
para grande parte da população feminina brasileira.
Nota
-
Região compreendida entre a capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, e a Serra gaúcha, composta por 14 municípios.
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Vestergaard, Torben. Schroder, Kim. A linguagem da propaganda. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
- OUTRA AUTORA QUE MERECE FAZER PARTE DESSE BLOG, EXCELENTE PESQUISADORA DENISE CASTILHO DE ARAUJO
- SAUDADES DE SOSSOS ENCONTROS NA REDE ALCAR - HISTORIA DA MIDIA
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